A publicidade tem se visto em meio a polêmicas e acusações de machismo em anúncios de produtos. Agora o Tumblr “Liga das Mulheres” traz uma visão que pode esclarecer a questão de dentro das agências de publicidade.

O ano de 2015 viu as consumidoras em pé de guerra com a publicidade no Brasil. De nome de esmalte a propagandas de cerveja, elas demonstraram não estar nada felizes com algumas brincadeiras da propaganda tradicional.

Enquanto alguns acusam essas mulheres de “mi mi mi” e exagero, outros tentam entender o fenômeno, que começa a preocupar anunciantes aqui e no mundo todo. Natural, uma vez que as mulheres são responsáveis por 80% da decisão de compra, ganharam renda e poder de compra, mas segundo pesquisa do Think Eva, 62,4% simplesmente são indiferentes à propaganda: os estereótipos de papéis femininos não geram identificação com elas.

A resposta pode estar em reportagens como “Machismo é a Regra da Casa, que abriu a discussão sobre o machismo nas agências. Mas foi em agosto, com o surgimento do Tumblr “Liga das Heroínas, que a coisa ganhou outra proporção. Criado por Luise Bello, integrande do Think Olga, o tumblr reúne depoimentos de publicitárias que resolveram abrir o jogo sobre o seu dia a dia e a barreira que elas sentem na profissão.

Luise conversou com o Plano Feminino para contar um pouco sobre essa iniciativa. Acompanhe:

Plano: Oi Luise, tudo bom? Queria que você contasse um pouco sobre como surgiu a ideia do Liga das Heroínas.

Luise: Sempre tive o desejo de participar de uma iniciativa que empoderasse as mulheres dentro das agências de publicidade. Nas minhas experiências no mercado e conversas com colegas, sempre ouvi histórias absurdas e percebia uma inércia feminina: as mulheres que ousam falar contra têm medo de sofrer retaliação.

Então eu via uma situação muito desigual acontecendo, tinha amigas no mercado também insatisfeitas e essa vontade de fazer alguma coisa. Quando foi lançado o Tumblr “Liga da Criação, que homenageava os grandes criativos da publicidade, eu fiquei indignada por só ver homens ali e me dei conta de que também na minha área as mulheres têm seus nomes apagados da história, o mercado também faz questão de cultuar apenas os homens. Então foi com o intuito de dar mais visibilidade às grandes mulheres da publicidade e denunciar os absurdos, que veio o desejo de criar a Liga das Heroinas.

Plano: E como está a repercussão disso no meio publicitário? Ele pode ajudar a mudar o quadro?

Luise: Era para ser apenas uma resposta ao “Liga da Criação” que postaríamos no Think Olga, no qual sou manager de conteúdo e comunidade, mas acabou se tornando algo muito maior. Sei que a Liga, por si só, não será suficiente – mas o importante é que abrimos espaço para esse debate. A experiência de conviver com tanta desigualdade dentro de uma agência de publicidade é muito solitária e alienante, pois nos sentimos impotentes diante dela e sentimos que é assim mesmo, sempre foi e sempre será – e isso não é verdade.

Nenhuma mulher é obrigada a passar pelas situações que publicamos no Tumblr. Há vários casos que configuram assédio moral e sexual, mas é como se as agências, por serem supostamente ambientes criativos, inovadores e majoritariamente jovens, tivessem carta branca para exercer domínio sobre as mulheres. Além disso, os benefícios de ter uma equipe diversa já foram mais que comprovados e isso também deve passar pelas agências de publicidade.

Plano: O que os depoimentos trouxeram de mais chocante? Alguma coisa que surpreendeu vocês?

Luise: O que mais me choca é ler as coisas absurdas que me escrevem e saber que algum sujeito decidiu que aquilo era uma boa ideia. Por quantos filtros de educação, respeito e bom senso passaram frases como “a menstruação deve ter subido pro cérebro dela”? Além do machismo descarado em algumas das maiores empresas de comunicação do país, como é o caso da Calota de Ouro, da agência Africa.

Também sei, por experiência e por depoimentos que recebi, que “prêmios” e eleições similares nas quais os homens da agência avaliam as mulheres são muito comuns no mercado. O machismo em si não me surpreende, o que me choca é perceber como ele é presente em espaços que supostamente são os mais criativos e inovadores do país.

Como pode uma publicidade mundialmente conhecida como a nossa sair de espaços tão retrógrados? Vejo muito potencial em uma mudança de atitude. Fico triste mesmo é de ler a história de várias mulheres que desistiram do mercado por causa disso. Muitas ficam doentes, entram em depressão, têm crises de ansiedade e sentem um alívio tremendo ao abandonar a agência e sair de um ambiente tóxico.

Gente, estamos falando de uma empresa, na qual devíamos nos sentir bem para fazer o trabalho que escolhemos. Não são as mulheres que devem abandonar a publicidade, é a publicidade que deve abandonar o machismo, pois ele está custando muitos talentos.

Plano: Houve alguma reação negativa, alguma agência contatou vocês?  

Luise: As reações foram muito positivas! De certa forma, isso não me surpreende por dois motivos. Primeiro, porque o sujeito tem que ser muito calhorda para vir abertamente defender a discriminação de gênero e as coisas estão muito quentes nas redes sociais. Segundo, porque na mentalidade de quem acha que as coisas são assim mesmo nós nem merecemos atenção ou resposta. Mas essa mentalidade será atropelada pela história, o mundo mudou.  

Plano: E os planos para o futuro? Pretendem ampliar esse projeto de alguma forma mais ativa?

Luise: Temos grandes planos e um longo caminho pela frente. Já considero uma grande conquista ter jogado luz sobre esse problema e poder oferecer um espaço no qual grandes mulheres da publicidade sejam retratadas como as heroínas que são em um mercado no qual é preciso fazer o dobro ou o triplo do que um homem faz para ter o mesmo reconhecimento.

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