Quando a gente vê estas manifestações nojentas de homens excitados com uma menina de 12 anos como a Valentina, dá náusea, indignação, repulsa, mas este é o retrato de uma sociedade que mascara a pedofilia e a cultura do estupro, que na maioria das vezes começa dentro de casa. Um tio, um primo, um parente, um amigo dos pais, um vizinho. É chocante, a gente prefere não comentar, mas é preciso. E prestem atenção, não esqueçam que MULHERES TAMBÉM SÃO PEDÓFILAS!

O meu #primeiroassédio foi na fila da padaria, quando esperava pelo pão quentinho para tomar café da tarde com minha mãe e uma senhora me elogiou, disse que eu tinha um corpo lindo e que meus peitinhos estavam crescendo, ME APALPANDO! Eu não sabia o que fazer, era uma senhora, talvez uns 60 anos, e fiquei paralisada, até que saí da fila e voltei pra casa chocada para falar com minha mãe.

Nunca foi fácil ser menina. Eu tinha corpo feito aos 10 anos. Todos elogiavam, queriam tocar no meu cabelo, achavam bonitinho eu já ter peitinho, queriam uma intimidade que não existia. E eu não entendia. Isso também acontecia com minhas coleguinhas e elas também não entendiam.

Me lembro de amigos do meu pai me encarando e elogiando de forma diferente. De vizinho perguntando se eu já estava usando sutiã. De ter de receber instruções da minha mãe para tomar cuidado com o tio da perua, de não entrar pelo lado do bar na padaria, por conta dos homens que ali estavam, de ficar atenta o tempo todo. Era uma menina, uma presa fácil.

Quando eu ainda nem sabia o que era assédio sexual, por volta dos 8 anos de idade, presenciei uma discussão entre minha mãe e meu tio, seu irmão, e não entendi nada. Minha mãe, não aturava algumas das brincadeiras deste tio e nas festas de família, sempre haviam farpas trocadas pelos dois e ele disparava para o meu pai: “ Hey, Antonio, você tem que cuidar da sua mulher!”, querendo dizer ao meu pai que mulheres não poderiam ter voz e se posicionar como minha mãe fazia. Mulher não tinha direito de erguer a voz para um homem se achasse necessário.

Antes de chegar aos encontros de família, eu e minha irmã, sempre éramos orientadas por minha mãe: não tolerem as gracinhas do seu tio e seus primos. Não deixe que eles fiquem levantando as saias de vocês, que baguncem seus cabelos, que façam absolutamente nada que as façam se sentirem tristes. Chamem a mamãe!

Sim, os filhos deste meu tio, reproduziam seu comportamento, e assim como ele gostava de tirar minha mãe do sério, pelo simples fato dela ser mulher, os meninos eram maldosos com suas brincadeiras estúpidas. Quando a gente gritava e chorava, meu tio reproduzia a frase que anos depois me dei conta, era machista e cheia de significados: Prenda suas cabritas que meus bodes estão soltos!

Meu irmão nunca tinha instrução alguma antes de ir às festas de família e amigos. A gente, meninas, tinha milhões delas.

Prendam as cabritas! Prendam as cabritas! Prendam as cabritas!

Este tipo de reprodução machista, disfarçada de piada e brincadeirinha de tio fanfarrão existe e está criando um exército de homens com mentes doentias, que acreditam que se a gente está ali numa praça, num bar, numa padaria, na rua, é porque estamos consentindo que eles nos possuam, nos assediem. Ora bolas, por que a gente tem bunda e peito? Por que usamos saia? Por que somos bonitas? Por que sorrimos tanto? Estamos querendo alguma coisa, né? Do contrário andaríamos sisudas, de burca, escondendo nosso corpo. ISSO TEM DE PARAR!

Não podemos deixar nossas meninas crescerem apreensivas e com medo. Não podemos admitir que elas sejam abusadas física e emocionalmente e tão pouco, que se sintam abandonadas em meio a situações de assédio. Fale com suas crianças, ouça, perceba, proteja e denuncie. Sem medo do que os outros irão pensar.

Não prenda nossas meninas! Solte-as e as empodere para que sejam quem elas quiserem ser e não permitam que mentes doentias roubem suas vidas, seu corpo, sua dignidade.

* Diante do assédio que a menina Valentina de 12 anos sofreu no Twitter, após aparecer no reality Master Chef, o Think Olga criou a hashtag #meuprimeiroassedio e em poucas horas milhares de relatos começaram a aparecer. Milhões de Valentinas, Marias, Biancas, Cristinas, contando suas dores, seus medos, suas aflições.

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