A série Game of Thrones, derivada da série de livros “Crônicas de Gelo e Fogo” de George R.R. Martin, trouxe de volta o fascínio pelo medieval fantástico com roupagem adulta, em uma trama cheia de reviravoltas, politicagens e temas controversos, com muito sexo e violência.
Uma das características que fizeram a série ser aclamada no seu começo foi a construção de personagens femininas fortes, como a refugiada mãe de dragões Daenerys Targaryen, a matriarca Catelyn Stark, a vilã Cersei Lannister, a manipuladora Margaery Tyrell, a fugitiva Arya Stark ou a guerreira Brienne of Tarth. Cada qual possuía seu destaque e força. Mesmo a ingênua Sansa Stark.
Porém, a série de TV se distanciou dos livros, tanto em narrativa quanto em tratamento dado aos seus personagens. Em nome de uma suposta “veracidade”, a série passou a ser mais agressiva com as personagens femininas, culminando no último domingo com estupro de Sansa.
Antes de uma crítica, é preciso lembrar que a série é um derivado do livro, com direito a mudanças e adaptações. E foi esse o argumento que George Martin usou para defender o seriado das críticas aqui.
Contudo, os fãs questionam a necessidade de cenas como essa. Aqueles que leram os livros concordam: existe sim uma cena de estupro cometida por Ramsay, mas a vítima não é Sansa. Trata-se de uma personagem secundária, Jeyne Poole, que se passa por Arya Stark. A cena forte no livro tem como intuito mostrar o sadismo sem limites de Ramsay e a tortura continua de todos que o cercam. Sansa está longe dali, no Ninho da Águia, sendo preparada para seduzir um possível herdeiro da Casa Hardying e, assim, tomar o controle do Norte e ressurgir gloriosa.
Feminino x Estupro
O primeiro estranhamento é a relação da série com suas mulheres,em comparação com os livros. Embora violento, G.R.R. Martin constrói mulheres fortes – e Sansa está aprendendo a usar sua etiqueta e beleza como arma. No decorrer dos livros, as cenas de nudez e sexo diminuíram. Na série, é o contrário: mais sexo, nudez e personagens femininas enfraquecendo.
A atriz Emily Clarke, que dá vida à Daenerys, hoje se recusar a protagonizar cenas de nudez – além de não agregarem mais nada, Emily não quer ser conhecida apenas pelo seios. Vale lembrar que ela também passou por uma cena de estupro desnecessária: a série mostra sua primeira noite com Khal Drogo como estupro, mas nos livros a cena é consensual.
Outra polêmica na quarta temporada foi a cena de estupro entre Jaime e Cersei junto ao corpo de Joffrey: a cena existe nos livros, mas se trata de sexo consensual entre eles, mostrando o nível doentio da relação entre os dois. Por quê transformá-la em um estupro? Sexo entre irmãos ao lado do cadáver do próprio filho não era chocante o suficiente?
É perceptível o corte de personagens femininas fortes da história original. Entre elas, Asha Greyjoy (Yara na série), irmã de Theon, líder de uma frota pirata e mulher de sexualidade livre. Na série, se tornou uma coadjuvante que corre de cachorros (?!). Outra perda lamentável foi Arianne Martell, a poderosa e astuta sobrinha de Oberyn, herdeira por direito de Dorne.
Mas o caso de Sansa se torna mais grave pelo discurso dos produtores. Eles prometeram para essa temporada uma Sansa forte, que se tornaria protagonista da própria história – e sua aliança com Mindinho apontava para isso. Mas ao alterar a trama e casá-la com o psicopata que ajudou a destruir os Starks – coisa por sí só é absurda – os produtores a rebaixaram novamente à moeda de troca. Embora argumentem que foi “uma escolha dela”.
Pior: o estupro de Sansa é mostrado pela reação sofrida de Theon Greyjoy. Ele é o protagonista na cena do estupro, Sansa apenas um detalhe para mostrar a extensão da loucura de Ramsay.
Os produtores justificam como “isso fará dela uma mulher mais forte agora”. Fica a pergunta: como um estupro pode fortalecer uma personagem? Ainda mais alguém que viu o pai ser decapitado, virou refém, foi perseguida por um pedófilo, casada à força com um anão e quasei assassinada pela tia? Se for por audiência, foi uma má ideia. A maioria dos fãs rejeitou a cena.
Tudo isso no episódio que leva o nome de “Unbowed, Unbent, Unbroken” (Insubmissos, Não Curvados, Não Quebrados). O lema da Casa Martell, onde as mulheres mandam.
Parece que, se depender da série, nenhuma das mulheres permanecerá de pé.
Eu acredito que a Sansa vai se fortalecer e, assim, a cena terá tido algum propósito. É nisso que quero acreditar.