Bia Granja é a rainha da internet. Ela chegou nesse lugar, quando tudo ainda era mato, como costumamos brincar. E assim ela se tornou a maior referência em cultura da internet do nosso país.
Mas não pense você que tudo isso aconteceu de caso pensado. Quando criança, Bia não tinha sonhos de carreira, como a maioria das crianças que já pensa numa profissão, que deseja ser professora, algo do tipo. Ela foi crescendo e não sentia que tivesse uma vocação para o que via nas universidades, no que o mundo disponibilizava naquele momento como opções de atuação no mercado de trabalho.
Foi aí que ela escolheu entrar na universidade em um curso que estava na moda no momento: Turismo. Mas, como essa não foi sua paixão, nunca atuou na área. Ainda na faculdade, começou a trabalhar em uma empresa de internet, e foi aí que seus olhos brilharam.
Bia se enfiou dos pés à cabeça no universo da internet e de lá não saiu mais. “Digo que a minha trajetória profissional aconteceu de forma orgânica porque não foi uma trajetória traçada, planejada, mas sim fazendo coisas que mexiam com a minha emoção, que me despertavam interesse de verdade.”
Nesse novo universo, Bia diz que uniu o que era novo pra ela, com habilidades de coisas que já fez na vida como vender sanduíche natural na praia, bolo na escola, calça bailarina, já foi babá, professora de inglês, e, aos risos, conta que já foi até dançarina de axé em um evento de marca.
Essas experiências todas, Bia diz que foi essencial para que ela se entendesse como profissional, entendesse o que gostava ou não, e juntou toda essa bagagem de aprendizado quando fundou o Youpix, em 2006. “Esta é a coisa mais importante da minha vida, que tomou todo meu tempo, desde que percebi que era isso que queria pra mim. Me formei na faculdade em 2004 e, em 2006, a Youpix nasceu, na verdade começou com a Revista Pix e só foi crescendo.”
Sobre percepção sobre as mulheres no mercado digital, Bia diz que como o objeto do seu trabalho sempre foram as pessoas, ela se manteve muito próxima das coisas progressistas do que o contrário e ela vê que aos poucos as coisas estão mudando e as mulheres estão cada vez mais presentes produzindo conteúdo na internet.
“Por exemplo, os movimentos feministas que hoje estão cada vez mais fortes, nasceram de forma muito colaborativa na internet, porque foi a internet que possibilitou que qualquer pessoa pudesse criar e principalmente distribuir conteúdo com um investimento baixíssimo.
Antes, você precisava ter muito dinheiro pra imprimir, distribuir revistas, jornais e a internet quebrou essa cadeia de distribuição. Basta você ter internet pra produzir conteúdo e a própria lógica da rede vai fazer com que outras pessoas se conectem com seu conteúdo.
Como atuo muito nesse cenário que é pautado na autoexpressão, na diversidade, vejo que as mulheres têm um espaço diferente do que no mercado corporativo, onde a gente vê que existem poucas mulheres em cargos de liderança.
Óbvio que se eu olhar os maiores canais com números de inscritos, veremos poucas mulheres, isso é um fato. Mas eu acho que número não é tudo no digital, pelo contrário, o mais importante são as comunidades, o engajamento e as conversas que se criam em torno desses temas, dessas causas, seja o que for.
No início da internet, eu acho que teve muito mais preconceito. Logo no começo de tudo, porque este era um espaço muito dominado pelos nerds, pelos geeks, que é um universo supermachista. Hoje, a gente vê mulheres gamers, ocupando espaços, fazendo conteúdo sobre isso, mas ainda são muito xingadas na internet com pessoas dizendo que aquele não é o seu lugar, que mulher não entende de game.
Ainda temos uma longa jornada, mas ter como objeto de trabalho algo que é pautado pela democratização das vozes, já me coloca em outro patamar, felizmente. Acho que se eu estivesse no mundo corporativo, seria muito mais difícil.”
A revista Pix, em 2006, falava sobre cultura de internet e as pessoas que usavam a internet, esse novo lugar pra conectar coisas, empresas e pessoas, eram aquelas que de fato estavam criando essa cultura. “Eu, como consumidora, me encantei pelo lado de ter várias vozes sobre o mesmo assunto. Porque antes, quando eu queria saber sobre alguma coisa, tinha poucas fontes, era um jornal, revista, tv, ou no máximo meu professor, pais, uma enciclopédia… risos.
Quando a internet chegou, qualquer coisa que eu pesquisava no Google, por exemplo, me trazia centenas, senão milhares ou milhões de respostas diferentes, foi aí que eu pensei: ‘caramba, isso que é diversidade de informação! Como esse meu interesse aconteceu de forma orgânica, tudo o que a Youpix e eu fizemos foi baseado nesse propósito.
Não dá pra dizer que fui eu que fiz essa coisa da internet e revolucionei a comunicação. As pessoas já estavam fazendo isso. Eu só olhei com um olhar muito interessado, um olhar que me levou a começar documentar isso numa revista e depois criar um evento pra falar sobre e fazer isso crescer.
Então, acho que esse meu sucesso, tem a ver com esse olhar não preconceituoso, um olhar de diversidade, de inclusão, um olhar de fomento, de discussão, de amadurecer tudo isso e fazer com que coisas que estavam apenas na internet, se tornassem algo que pudesse pautar a nossa vida offline.”
Quando criou a Pix, Bia não imaginava que poderia crescer tanto e tão rápido. Claro que ela tinha o plano de fazer desse negócio, algo que rentabilizasse e da qual pudesse viver, mas não imaginou o quanto poderia ser grandioso como é hoje.
“A Pix passou por várias fases. Começamos como uma revista e hoje é uma aceleradora, que são coisas bem diferentes. Nascemos falando, escrevendo sobre cultura da internet, depois fizemos evento pra celebrar isso, e a gente decidiu mudar o foco da empresa em 2015.
Começamos a falar de negócios, abrimos uma escola, temos uma consultoria, programa de aceleração, viagem de estudos pro exterior, uma área de pesquisa, e temos ainda um braço de eventos. Então, claro que a gente queria fazer algum tipo de sucesso, mais relacionado a saber fazer coisas incríveis, com propósito, com relevância pra sociedade e pro mercado.
Esse sucesso, essa sustentabilidade que a Youpix tem ao longo de 12 anos, tem muito a ver com esse olhar desapegado, pra entender o que faz sentido ao invés de se apegar a formatos.”
Bia Granja é uma das curadoras da Campus Party, e ela diz que o mais interessante e que é uma das chaves para o sucesso do evento é que, desde sempre, a equipe mantém uma visão importante e humilde de entender que eles não conseguem fazer tudo sozinhos, cuidar de todas as particularidades, nichos, temas, facetas e comunidades que compõem o universo de tecnologia.
Então, eles tiveram esse olhar de chamar curadores para o evento e viram a mim e outras pessoas que tinham um conhecimento muito forte no ramo de internet e decidiram trazer isso pro evento.
Quando cheguei na Campus, conheci uma mulher poderosa, a Dani Costa Besouchet, que hoje é sócia da Youpix. Ela era Diretora de Comunicação e Marketing do evento e me senti acolhida em um evento tão importante, tendo uma diretora como ela. Tivemos uma conexão que começou lá e culminou com ela sendo sócia do Youpix.”
Bia compelta dizendo que a Campus Party ainda é um evento muito masculino, mesmo porque o universo de tecnologia ainda é assim, mas que essa é uma questão importante de ser discutida. “Os developers, que são aqueles que constroem os códigos do mundo digital, são maioria homens. Precisamos trazer mais mulheres pra esse mundo.
Quando eu entrei de cabeça no universo da internet, já se falava sobre mulheres ocupando espaços, sobre feminismo, mas eu não era desconstruída ainda. Minha visão sobre lugar de fala, sobre feminismo, sobre o espaço da mulher era muito diferente, até porque esse movimento ainda não tinha ganhado toda a força que tem hoje.
A gente sabia que havia um incômodo, que precisávamos ter mais mulheres ocupando espaços, mas não sabia desenvolver essas questões, entender essas razões e saber como agira pra mudar isso, era um mundo bem diferente.”
Claro que como mulher ela já passou por preconceitos, por situações de machismo. Nunca teve nenhuma situação agressiva, mas já houve momentos em que apenas o fato de ser mulher se sobrepunha sobre seus conhecimentos, sobre sua expertise, especialmente quando se via em meio de uma reunião composta por maioria homens.
“Já aconteceu de eu estar em uma reunião, onde as pessoas davam mais atenção ao meu sócio, que é meu marido, e não a mim que era a pessoa que tocava a empresa e isso é algo constante. Há poucos meses recebi dois homens no escritório que pediram pra falar comigo sobre um produto que queriam lançar no mercado.
Depois de apresentar o produto, comecei a fazer alguns questionamentos pra eles, que eram bem críticos, porque o produto realmente precisava de muitas melhorias. Em um dado momento, um dos homens me disse: ‘acho que você não está conseguindo entender o que eu estou te mostrando.’
Eu, depois de 12 anos atuando nesse mercado, disse que era ele quem não estava entendendo que o seu produto não era bom. Claro que ele não gostou, provavelmente porque achou que eu ia validar tudo, que acharia tudo incrível, porque quando comecei a questionar, ele simplesmente achou que eu não era competente o suficiente pra ter uma opinião contrária a dele.
Isso é ruim e acontece muito. Uma mulher nunca pode ter uma opinião forte, assertiva, que isso aparece como ofensa para o homem.”
Depois desse papo enriquecedor, Bia não poderia deixar de falar sobre seus Planos. “Meu plano é conseguir unir cada vez mais o que é ser mulher, sendo uma profissional e empreendedora tocando uma empresa.”
Bia completa dizendo que a hoje, a Youpix é totalmente composta por mulheres.. “Somos eu, Nani, minha sócia e mais quatro mulheres e a gente tenta entender o que é ser mulher juntas em uma empresa, no dia a dia. Às vezes eu e minha sócia estamos numa reunião sem se entender, agressivas uma com a outra e quando paramos pra pensar, vemos que estamos as duas na TPM.
Aí a gente acaba rindo da situação, e isso faz aumentar em nós a dose de empatia, que é entender também o que é ser mulher. Por mais que essa mulher seja séria, focada, agressiva e ambiciosa, que não são características masculinas, a mulher também é regida por ciclos que o homem não tem, como ciclo lunar e menstrual.
O que eu faço, é tentar entender o impacto disso nos detalhes da minha empresa, porque se em uma reunião eu e minha sócia estamos bravas porque estamos passando por uma fase do ciclo físico difícil, digamos assim, estamos menos pré-dispostas a ouvir o outro, a ser gentil com a gente mesmo e entender que isso faz parte da nossa vida.
Então, meu plano como mulher e profissional é entender essa energia e ciclos femininos no negócio e ser muito gentil com isso, fazendo com que essa situação conspire a meu favor.”
Bia ainda fala sobre características que as pessoas colocam como coisa de homem ou de mulher: “Por que agressividade e seriedade são tidas como características masculinas quando você está tocando uma empresa? A mulher também pode ser todas essas coisas. O que é característica masculina. O que é característica feminina? Isso é tudo uma construção social.”
Pra finalizar a gente pediu pra Bia dar uma dica que ela considera importante para que as mulheres ocupem cada vez mais espaços e ela foi certeira na resposta. “Confie no seu instinto e expertise, respeite a sua energia feminina, não deixe as coisas pequenas passarem batido, posicionamento e segurança sempre!”
Quanta coisa foi possível aprender nesse papo com a Bia Granja. Ela que desbravou a internet e hoje é um grande destaque nesse cenário, mostrando que é possível fazer a diferença, sim, mesmo em uma área que de início você não conheça tão bem.
Seja curiosa, busque conhecimento, inove, crie. É assim, e claro, com muita força de vontade que você vai desbravar todos os espaços e ocupá-los cada vez mais. Quer contar sua história pra gente? Manda um e-mail para o [email protected] e vamos formar uma rede de mulheres poderosas que estão fazendo acontecer por aí!