Alguns assuntos que saem de programas de “fofoca” ganham os debates feministas no Brasil nas redes sociais, pois eles representam e exemplificam o machismo dessa sociedade que estamos todos inseridos, em que homens, mesmo famosos e ricos, são presos por dever pensão para seus filhos. Já debati em diversos textos a forma como a pensão é o mínimo que homens deveriam reconhecer e ceder aos seus filhos, e como mesmo aqueles que detêm recursos familiares usam e abusam de artifícios dos “comuns” para pagar cada vez menos por isso. Por isso, precisamos infelizmente tocar no assunto: Wesley Safadão. Depois de Giba, Dado Dolabella, Latino etc… agora o assunto da vez é Wesley Safadão. E, para debater sua tentativa de revisão de pensão, quero elencar alguns pontos para se pensar um debate de papéis de gênero a partir dessa história:
1- Ser uma mulher livre não significa abrir mão do dinheiro que também é seu
Mileide Mihaile, ex-parceira de Wesley Safadão, em recente entrevista alegou algo que já vinha sendo especulado pelas mídias nacionais, que ela foi traída pelo parceiro e teria flagrado ele saindo de um motel com a amante, que no caso hoje é sua atual parceira. Muitos se prendem a chamar a atual de Wesley de vagabunda culpabilizando ela pelas ações dele, ou acham que isso ficou no passado (mesmo que tenha acontecido em 2011 segundo o jornal o Extra). O que as pessoas deixam de falar é que traição é uma forma de violência, que muitos homens traem para reforçar seu poder de gênero e que mulheres sendo vítimas dessa situação, podem demorar anos ou décadas para lidar com os danos que isso acarreta para sua saúde psicológica. No caso, se especula na mídia que a mulher com quem Wesley teve essa relação era próxima de Mileide, sendo considerada um amiga, e que, conforme as datas, isso teria acontecido quando seu filho ainda era um bebê. Esses fatos podem somar ainda mais para entender o conjunto dessa situação como um fator violento em especial, psicologicamente para essa mulher.
Vendo com esse olhar, enfatizamos os danos de Wesley e a possibilidade de que homens com condutas parecidas tenham que responder judicialmente por isso. Hoje, pensando não só em casamentos mas também em uniões estáveis, existem advogados que defendem a ideia de que traídos deveriam pedir indenizações por danos morais quando esse ato acarreta constrangimento. O problema é que muitas pessoas acreditam que ser uma mulher feminista ou “empoderada” é abrir mão daquilo que é seu de direito, fazendo uma má leitura da emancipação de gênero. Ser feminista não é fingir que o dinheiro que é também seu, que o dinheiro que lhe cabe ou ao seus filhos, é feio por vir da carreira, empresa, fama que você construiu ao lado de um homem. As relações de muitos casamentos são de mulheres dando base financeira, estrutural e/ou psicológica para que homens alcancem seu sucesso. Em separações, colocar isso em valores para que essas mulheres não saiam desprovidas deveria ser mais comum no Brasil e o mínimo. Não é sobre ser interesseira ou “dependente de homem”, é sobre saber quanto vale nosso trabalho, mesmo que ele seja visto como “função” inerente ao nosso gênero (como por exemplo, ser “dona de casa”). Não seria possível de fato alguns homens serem famosos, se mulheres não estivessem no backstage deles.
2 – Filho não tem prazo de validade
Infelizmente, parece que muitos homens acham que filho tem data de validade. Que assim que nasce um outro, esse filho então passa do prazo. Na história denunciada por Mileide Mihaile, o que indignou as pessoas nas redes sociais é que a pensão de 9 mil reais, que para ele é pequena perto dos valores recebidos por um dos cantores de maior sucesso na atualidade, a filha mais nova do cantor teve uma foto publicada nas redes de sua mãe em que segurava uma bolsa no valor de 8 mil reais. Choca qualquer pessoa uma criança de 2 anos com uma bolsa desse valor, mas choca mais ainda o público saber que Wesley, enquanto isso, segundo os relatos de Mileide, faz o seu filho mais velho que é fruto da relação com a ex-parceira, tirar as roupas e devolver os brinquedos para o motorista quando chega na casa dela. Parece que essa narrativa é de um homem que não trata mais essa criança como prioridade, fazendo uso de uma conduta, segundo sua ex, que coloca a integridade dessa criança física e psicológica em jogo. O próprio ato de redução de pensão que Mileide alega ser desejo de Wesley com esse processo, seria um ato de expor essa criança também.
Infelizmente vemos muitos homens que, após o término com suas parceiras, compreendem que esse é também um rompimento com seus filhos. O que não é uma verdade e não deveria ser naturalizado como sendo. Homens não podem acreditar que tratar uma criança com certo descaso depois que terminaram com suas parceiras, não é compreendido por essa criança e não afeta sua formação. O relato de Mileide em que ela narra que seu filho é obrigado se despir e devolver seus brinquedos no mínimo evidencia uma conduta de constrangimento que uma criança de 8 anos não deveria vivenciar, tampouco de forma tão naturalizada, sendo propiciada por alguém que é seu pai. O que me chamou atenção foram alguns homens nas redes sociais relatando que faziam algo parecido, é absurdo como parece que com naturalidade se coloca crianças em constrangimento até mesmo para afetar a outra ponta da relação, que é a mãe. O que nos leva a nosso terceiro ponto:
3- Muitos homens usam filhos para afetar as mães
Não dá para não pensar que existe uma série de condutas masculinas que, quando usadas para afetar o bem-estar de seus filhos, afeta diretamente as mães. Sendo, portanto, uma forma desse homem continuar controlando a vida da ex-parceira mesmo quando ela não está mais com ele. Assustadoramente já vivenciei isso por parte do meu pai, suas ações de descaso e violência para comigo e com minha irmã tinham um impacto direto na minha mãe. E funcionavam como una forma de dizer: ei, estou aqui e ainda posso te afetar. Por isso, não dá para não pensar nessa situação, afinal de contas, numa sociedade machista, mesmo que esteja em jogo uma redução de pensão pedida pelo pai, é a mãe que é julgada como interesseira, como alguém que expõe a criança, péssima mãe e até mesmo chamada de vagabunda por alguns que dizem: ei, você deveria trabalhar para sustentar seu filho. Como se uma mulher fosse obrigada a sustentar seu filho sozinha, ainda mais diante de uma realidade em que o pai dele é apenas um homem muito rico que tem responsabilidades iguais para a criação e bem-estar dessa criança não só quando ela está na casa dele, mas na sua vida como um todo. A criança não é só responsabilidade do pai quando está do portão para dentro de sua casa. Dito isso, vamos avançar nesse debate e parar de culpabilizar mulheres?
Na história que vemos de Wesley Safadão, o sucesso de irresponsabilidades afetivas parte em especial dele, segundo os relatos, que ele mesmo sequer nega, apenas justifica de outra forma. A história de Safadão nos mostra algo que parece ser muito cotidiano num país que está acostumado com a realidade de abandono paterno em que homens usam um discurso absurdo de alienação parental quando suas condutas do passado e presente mostram que afetam suas parceiras e filhos de forma irresponsável e violenta.