Conceição Evaristo é uma escritora que só conheceu o sucesso dos seus poemas depois dos 40 anos. Ela nasceu em 1946, numa favela da zona sul de Belo Horizonte, vem de uma família muito pobre, com nove irmãos e sua mãe, e teve que conciliar os estudos trabalhando como empregada doméstica, até concluir o curso normal, em 1971, já aos 25 anos. Mudou para o Rio de Janeiro, onde passou num concurso público para o magistério e estudou Letras na UFRJ.

Na década de 1980, entrou em contato com o grupo Quilombhoje e foi onde publicou nos anos 90 sua coletânea de poemas na publicação anual do coletivo. O grupo, que existe desde os anos 70, possui há mais de 40 anos os Cadernos Negros, onde Evaristo apareceu pela primeira vez. A publicação ininterrupta mais antiga que do Brasil, segundo a autora, não é reconhecida. “O dia em que a história da literatura brasileira for escrita de maneira abrangente, essa coleção que fica esquecida será visibilizada”, afirma.

 

 

Seu próximo livro foi publicado na década seguinte bancado inteiramente por ela em uma editora que se dedicava em publicar somente autores e autoras negras. Mesmo com sua obra Ponciá Vicêncio na lista de leituras obrigatórias do vestibular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), não conseguiu uma editora que arcasse com os custos de suas publicações.

“O que se percebe então é a dificuldade que nós temos, nestas e em outras situações, de publicar nossas obras, de divulgar, de chamar atenção da mídia, de concorrer aos prêmios. É isso que permitiria termos visibilidade e é isso que nos é negado.” 

Hoje, Conceição é mestra em Literatura Brasileira pela PUC-Rio, e doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense. Suas obras, em especial o romance Ponciá Vicêncio, de 2003, abordam temas como a discriminação racial, de gênero e de classe. A obra foi traduzida para o inglês e publicada nos Estados Unidos em 2007. Atualmente leciona na UFMG como professora visitante.

Sobre a participação de mais negros na literatura, Conceição diz que espera que muito seja feito pelos negros, que ainda pouco têm oportunidades de serem vistos: “Quando falamos em literatura, quando pensamos nela como uma forma de explicitação da identidade nacional, colocar negros e índios é apenas nos colocar em nosso lugar de direito. Pensar na literatura desta forma é pensar na diversidade não somente em termos teóricos, mas em termos práticos de representação.”

Ela reforça ainda sobre a dificuldade de ser negro, especialmente no Brasil. Fala sobre a dificuldade em ter conseguido publicar seus livros, a dificuldade em alcançar visibilidade, mesmo tendo livros seus recomendados por grandes universidades, a falta de representatividade, a dificuldade em conseguir ocupar espaços, tudo isso é muito mais trabalhoso, muito mais duro alcançar para uma pessoa de pele negra:

“O que se percebe é a dificuldade que nós temos, nestas e em outras situações, de publicar, de divulgar nossas obras. De chamar atenção da mídia, de concorrer aos prêmios. É isso que permitiria termos visibilidade e é isso que nos é negado. Estas dificuldades são coisas que os afro-brasileiros já estão prontos para enfrentar na sociedade brasileira como um todo. Quer dizer, estamos sempre sofrendo esse racismo estrutural. A vantagem é que hoje o racismo já está mais do que comprovado, todos sabem que viver uma democracia racial brasileira é viver um mito, é fazer um discurso em torno de uma mentira. Brancos ou negros, aqueles que ainda acreditam em uma democracia racial na sociedade brasileira ou são muito inocentes, ingênuos, ou são cínicos, não tem coragem de colocar o dedo na ferida.”

A noite não adormece nos olhos das mulheres
Em memória de Beatriz Nascimento

A noite não adormece
nos olhos das mulheres
a lua fêmea, semelhante nossa,
em vigília atenta vigia
a nossa memória.

A noite não adormece
nos olhos das mulheres
há mais olhos que sono
onde lágrimas suspensas
virgulam o lapso
de nossas molhadas lembranças.

A noite não adormece
nos olhos das mulheres
vaginas abertas
retêm e expulsam a vida
donde Ainás, Nzingas, Ngambeles
e outras meninas luas
afastam delas e de nós
os nossos cálices de lágrimas.

A noite não adormecerá
jamais nos olhos das fêmeas
pois do nosso sangue-mulher
de nosso líquido lembradiço
em cada gota que jorra
um fio invisível e tônico
pacientemente cose a rede
Conceição Evaristo, em Cadernos Negros, vol. 19.

 

 

 

Conceição tem um plano, claro, ela quer ver cada vez mais negros ocupando seus espaços, tendo cada vez mais oportunidades, tomando pra si aquilo lhes é de direito e que tanto tempo e tanto preconceito os impediu de realizar: “Nossa representatividade é muito pouca em determinados espaços. Os próprios espaços literários. E eu acredito que é um pouco do processo histórico que não tem retorno: cada vez mais esses grupos são minorizados pelo poder. Por outro lado, estamos cada vez mais reclamando nossos espaços. Então se esse oportunidade é dada apenas para tapar o sol com a peneira , nós vamos cada vez mais rompendo com essa peneira. Na verdade, não nos interessa uma solução em nível de aparência. Estamos alertas com isso. Nós temos uma história de resistência, mas também uma história de enganos. Mas não estamos dormindo com os olhos dos outros não.”

Não há dúvidas da importância da Conceição pra nossa literatura, do seu papel como mulher, escritora, ativista negra, uma mulher que abre cada vez mais portas para que outras pessoas se inspirem e ganhem voz para alçar voos cada vez maiores. Agora, Uma petição online reúne assinaturas para que a escritora mineira ocupe a cadeira número 7 da Academia Brasileira de Letras. Aos 71 anos, Conceição é uma das mais reconhecidas autoras negras do Brasil.

A Cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras está vaga com a morte do cineasta Nelson Pereira dos Santos, em 21 de abril. A Academia informou em sessão solene que as pessoas interessadas em ocupar essa vaga, têm dois meses para fazer suas inscrições. “Findo esse prazo, o Presidente marcará a eleição para 60 dias depois.”

Poucas mulheres já ocuparam cadeiras na ABL, nenhuma delas negra. Veja quem são as mulheres-membras da ABL: Ana Maria Machado (Cadeira 1); Rachel de Queiroz (Cadeira: 5); Dinah Silveira de Queiroz (Cadeira: 7); Cleonice Berardinelli (Cadeira: 8); Rosiska Darcy de Oliveira (Cadeira: 10); Lygia Fagundes Telles (Cadeira: 16); Zélia Gattai (Cadeira: 23) e Nélida Piñon (Cadeira: 30).

Impossível ficarmos caladas diante de uma mulher tão inspiradora, cheia de planos. Estamos aqui na torcida para que Conceição Evaristo ocupa mais este espaço, por direito, por merecimento. Enquanto isso, queremos contar mais histórias de mulheres maravilhosas, inspiradoras aqui, então se você conhece uma, manda a história dela pra gente por e-mail [email protected].

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