Sabemos que o número de mulheres na Ciência cresce, mas a representatividade ainda é bastante baixa. Embora o número de bolsas concedidas pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) seja praticamente o mesmo para homens e mulheres, na categoria de produtividade em pesquisa a representatividade feminina era de apenas 35,5% em 2015.
E esse número diminui em níveis mais altos da hierarquia científica: apenas 27 mulheres haviam chegado à modalidade de Pesquisador Sênior, de um total de 112. A categoria é reservada “ao pesquisador que se destaque entre seus pares como líder e paradigma na sua área de atuação” e permaneceu por pelo menos 15 anos nos níveis 1A ou 1B. No nível 1A, o mais alto do CNPq, em 2015 as mulheres representavam 1 em cada 4 pesquisadores.
Com foco em trabalhar na mudança dessa realidade e trazer mais incentivos para que as mulheres estejam cada vez mais presentes na ciência, a UFMG vai realizar em agosto, a primeira edição do Congresso de Mulheres na Ciência. O evento acontecerá de 27 a 31 de agosto e tem o objetivo de discutir a desigualdade de gênero na academia, incentivar mulheres a seguir a carreira acadêmica e divulgar os trabalhos de diversas pesquisadoras. As inscrições para participar já estão abertas desde ontem, domingo, dia 15.
“O evento é uma oportunidade para refletirmos sobre a organização das mulheres nas ciências”, diz a professora Andréa Mara Macedo, ex-diretora do ICB (Instituto de Ciências Biomédicas). De acordo com a professora, o currículo não contém apenas a produção quantitativa de um pesquisador, havendo nele o que chama de “componente oculto”, ou seja, a forma como os pares percebem o currículo do outro. “Se há dois cientistas, um homem e uma mulher, a percepção do currículo do homem gera mais impacto”, explica.
A iniciativa é de estudantes de graduação do curso de Ciências Biológicas do ICB. Para enriquecer as discussões, ao fim de cada dia do congresso, vai ter uma mesa redonda reflexiva com discussões importantes inerentes à realidade de mulheres na ciência como: Histórico de mulheres apagadas na ciência, Maternidade na carreira acadêmica, O machismo sistêmico nas ciências exatas, Mulheres negras na ciência e Visão geral: o machismo na ciência.
A pró-reitora de Extensão, Cláudia Mayorga, professora do Departamento de Psicologia da Fafich, vai participar da mesa redonda Histórico de mulheres apagadas na ciência, na qual abordará a invisibilidade de algumas mulheres em diversas áreas acadêmicas e fará um histórico a respeito de como elas têm participado e contribuído para o avanço científico no país.
“A desigualdade de gênero está presente em todos os espaços da sociedade, inclusive nas ciências. Isso preciso ser discutido. É urgente pensar um fazer científico mais inclusivo”, defende.
A pró-reitora adjunta de Pós-graduação, Silvia Helena Paixão Alencar, professora do Departamento de Física, vai integrar a mesa O machismo sistêmico nas ciências exatas. Segundo ela, as ciências exatas são um mundo masculinizado.
“No Departamento de Física, onde trabalham aproximadamente 70 pesquisadores, há apenas sete professoras. As mulheres têm capacidade para se destacarem na área, mas há muitas barreiras que precisam ser superadas”, afirma a professora.
Silvia diz ainda que há incoerências nos critérios de avaliação das agências de fomento. “Geralmente, são analisados os cinco últimos anos de produtividade, e esses critérios não levam em consideração o afastamento por licença maternidade”, explica Silvia, que além da participação na mesa redonda, também vai ministrar palestra sobre a pesquisa que desenvolve na área de Astrofísica.
Também estão confirmadas as participações da diretora da Academia Brasileira de Ciências, Márcia Barbosa, da presidente da Sociedade Brasileira de Genética, Márcia Maria Margis, e da vice-presidente da Sociedade Brasileira de Química, Rossimiriam Pereira, entre outras convidadas.
Para participar do congresso é necessário preencher o formulário de inscrição. Já foram realizadas 500 inscrições e serão disponibilizadas mais 200 vagas. O evento ocorrerá no Auditório Nobre do CAD1, campus Pampulha. A programação está disponível no site do congresso.
Constatar que faltam mulheres como palestrantes em eventos científicos deixaram algumas alunas de graduação do curso de Ciências Biológicas da UFMG pensativas sobre ações para mudar essa realidade. “Por que nos eventos de ciência a maioria dos palestrantes convidados são homens? Percebemos que é preciso mudar esse cenário. Durante nossa formação, participamos de vários congressos nos quais importantes pesquisadoras do tema abordado, com currículos extensos e renomadas, não foram chamadas para compor a programação”, explica Fernanda Trancoso, uma das idealizadoras do 1º Congresso de Mulheres na Ciência da UFMG.
“Queremos incentivar e encorajar outras estudantes mulheres a seguir a carreira acadêmica”, completa Fernanda.
Inicialmente, as organizadoras do congresso pensavam realizar um evento direcionado para a área das Ciências Biológicas. Mas, várias professoras que aderiram à ideia sugeriram que o convite fosse estendido a pesquisadoras de outras áreas. Elas perceberam, então, a necessidade de criar um espaço na UFMG para discutir a desigualdade de gênero numa perspectiva multidisciplinar. “Já existem alguns grupos de pesquisadoras da UFMG que se mobilizam para promover esse tipo de reflexão em suas áreas acadêmicas. O congresso pretende favorecer o diálogo e a troca de experiências entre esses grupos”, informa Fernanda Trancoso.
A pró-reitora Cláudia Mayorga destaca o protagonismo das alunas que, atentas à desigualdade de gênero na academia, abriram caminhos para uma discussão multidisciplinar. “É interessante envolver mulheres de outras áreas da ciência porque cada campo tem as suas especificidades em relação a esse tema”.
Até o momento, a organização do Congresso conseguiu mobilizar pesquisadoras das ciências biológicas, ciências exatas e ciências humanas e ainda busca a participação de representantes das demais áreas científicas. A recepção foi tão grande que, em apenas uma semana, as 500 primeiras vagas disponibilizadas foram preenchidas, o que ocasionou a abertura de uma segunda oferta para atender todo mundo que tem interesse em discutir a participação de mulheres no mundo científico.
Com isso, abrindo espaços para que discussões como essa aconteçam, pouco a pouco vamos mudando essa realidade e teremos cada vez mais mulheres ocupando espaços nas áreas que quiserem e que ainda são de predominância masculina.