Eu tive a sorte de conhecer essa grande brasileira anos atrás em meus ciclos sociais.

Um belo (mas belo mesmo) dia, estou eu lendo minhas matérias diárias quando me deparo com a notícia de que ela ganhou um importante prêmio no mundo da sustentabilidade.

Desde 2009, o Ministério da Educação e Pesquisa da Alemanha premia pesquisadores do cenário internacional que se destacam no campo do desenvolvimento sustentável. Entre os 27 ganhadores do Green Talents desse ano, três são brasileiros, sendo um deles a veterinária Paula Araújo.

Não pensei duas vezes, eu precisava parabeníza-la, precisava contar para todos essa grande conquista e que forma melhor de fazer isso do que com uma entrevista e dar voz a idealizadora do estudo premiado para  conhecer as plantas que existem na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Amanã e que fazem parte da alimentação do gado.

Veja abaixo nosso super, lindo e inspirador papo com essa mulher maravilhosa que trabalha na Amazônia, no Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, entidade supervisionada e financiada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

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Plano Feminino: Primeiro, gostaríamos de saber um pouco sobre você e sua história. Onde nasceu, onde estudou, quais as etapas de vida importantes que te levaram até onde você está agora?

Paula Araújo: É legal fazer esse resgate da nossa história. Ainda mais num momento em que seu trabalho é reconhecido. Tudo passa pela cabeça! Desde pequena eu já sabia que eu seria Veterinária. Um belo dia perguntei para alguém quem cuidava dos bichos e me disseram que eram os veterinários, então eu disse: “é isso que eu quero ser!”.

O plano inicial era trabalhar com animais selvagens na África. Engraçado que hoje eu vejo com clareza que meu interesse não era só os animais. Eu comecei a ficar curiosa com o povo que morava lá também. Hoje eu percebo que eu já era uma veterinária que gostava de gente.

Estudei todo o ensino fundamental e médio no Colégio Marista São José, meu pai trabalhou muito a vida toda pra me dar um bom estudo e sempre foi muito importante ouvir dele: “Seja independente! Tenha seu trabalho, seu dinheiro, não dependa de ninguém!” Isso foi muito legal vindo do meu pai. Minha mãe, por outro lado, sempre me estimulou a gostar dos bichos. Se tinha cachorro passeando na rua, ela me chamava pra passar a mão. Ela sempre cuidou de manter minha paixão viva! No colégio os professores também eram incríveis e eu sempre procurei participar dos grupos de educação ambiental e dos projetos sociais.

Com 18 anos entrei na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, minha amada Rural! Lá fiz minha graduação em Medicina Veterinária. Durante os primeiros semestres de graduação eu não consegui estágio com animais silvestres e acabei estagiando no Hospital Veterinário de Grandes Animais da própria universidade. Aquele ambiente de equipe, de entrega, de dedicação me conquistou! Acabei me especializando em animais de produção, mas durante os últimos semestres ainda da graduação eu economizei um dinheiro e decidi que queria conhecer mais do meu país. Sentia falta de me dedicar às questões ambientais, de ser útil para a sociedade de uma outra forma.

Consegui uma vaga de voluntária no Projeto Saúde & Alegria, que dá assistência médica às comunidades ribeirinhas do Rio Tapajós, no Pará. Esse foi um grande marco na minha vida. Trabalhei pela primeira vez com saúde pública e pela primeira vez eu vivenciava uma realidade muito distante da minha, com pessoas extremamente educadas, solidárias e com um conhecimento único sobre as coisas da vida. Fiz amigos maravilhosos em Alter do Chão e durante um mês e meio eu repensei meu caminho. Ficou claro pra mim que o mundo era muito maior do que eu imaginava e que o papel do médico veterinário na sociedade é muito maior do que eu mesma, prestes a me formar, podia imaginar.

Decidi então que queria trabalhar com as comunidades ribeirinhas da Amazônia. Depois que me formei queria ir pro norte, mas as oportunidades não apareceram imediatamente. Tive a chance de fazer a residência em clínica de animais de produção no HVGA da Rural, que foi extremamente importante para ganhar experiência e confiança. Finalizei o R1, o primeiro ano e resolvi fazer o segundo (R2), mas alguns meses depois a oportunidade chegou: tinha uma vaga num instituto de pesquisa do estado do Amazonas, numa cidade ainda desconhecida pra mim chamada Tefé. A vaga parecia feita pra mim. Todos os meus amigos me ajudaram! Deram dicas, me emprestaram telefone, sala para fazer a entrevista, enfim, depois que saiu o resultado a felicidade foi incrível! Eu tinha vinte dias para me mudar de Seropédica – RJ para Tefé – AM e no meio do caminho ainda fazer o relatório final da residência. Foi uma loucura! Que no final só deu certo porque eu sou abençoada com muitos amigos queridos que me ajudaram em tudo!

Quando cheguei no Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, quase chorei de emoção! Que trabalho incrível, que lugar incrível! Lá também conheci meu marido, que trabalha comigo. Ele me deu muito apoio, pois morar longe da família e dos amigos nem sempre é fácil. Ele é realmente um grande amigo e companheiro, me apoiando em decisões importantes, por exemplo, quando decidi fazer o mestrado. Aprendi muito depois que vim trabalhar aqui. Outra visão de mundo! O intercâmbio de idéias com diferentes profissionais fazem muita diferença no resultado do nosso trabalho.

Em 2014, resolvi que queria fazer o mestrado. Eu já tinha a idéia do projeto e achei que seria o momento certo de fazer o mestrado. Procurei diversos cursos, mas queria algo que fosse da área da agroecologia e ao mesmo tempo que fosse compatível com meu trabalho no Instituto, pois não queria me ausentar das atividades. O Mestrado Profissional de Agricultura Orgânica da UFRRJ se encaixou perfeitamente no que eu queria. É um mestrado oferecido em parceria entre a universidade e a Embrapa Agrobiologia e dois pontos fortes do curso é a vivência, onde visitamos várias fazendas orgânicas de diferentes perfis e também o fato dos próprios alunos terem experiência profissional. São pessoas de todas as partes do país e com uma boa diversidade de atuação. A troca de experiências é muito enriquecedora. Além de tudo, meu orientador, o Zootecnista Dr. Robert Macedo, me apoiou desde o começo, quando o mestrado ainda não era certeza. Ele disse que mesmo que eu não passasse na prova ele me ajudaria com o projeto. Isso foi muito legal da parte dele e me deu segurança para seguir com a idéia.

PF: Como nasceu seu projeto?

PA: Nasceu de uma necessidade técnica. Fui contratada pelo Instituto Mamirauá para oferecer assessoria técnica aos criadores de gado das comunidades ribeirinhas da Reserva Amanã. Nos primeiros meses que fui pra campo eu precisava entender todo o contexto, como era a vida deles, o manejo dos animais, a importância daquela atividade, depois eu defini os pontos que precisavam de atenção especial e em seguida procurei uma estratégia para solucionar os problemas. Sempre utilizamos técnicas participativas para fazer o diagnóstico e encontrar as possíveis alternativas e neste caso observamos que muitas coisas estavam a nosso favor, como por exemplo o fato de muitos criarem os animais em áreas de plantação de árvores frutíferas, ou seja, eles já colocavam em prática o uso de sistemas silvipastoris e isto é muito legal do ponto de vista ecológico e também produtivo, pois o conforto térmico também tem efeito positivo no ganho de peso dos animais.

Entretanto, entre os pontos que ainda precisavam de melhorias estavam a parte sanitária e também o manejo das pastagens. Alimentação era um ponto chave para muitos problemas que encontramos e esbarrava em questões econômicas, sociais e ambientais. Tivemos um progresso muito bom em relação ao manejo sanitário, mas a alimentação ainda é um desafio que precisamos evoluir e foi daí que nasceu o projeto.

PF: Como foi para desenvolve-lo? Quanto tempo levou, quantas pessoas se envolveram? Quais foram as maiores dificuldades?

PA: Procurando encontrar as respostas para os problemas da alimentação, encontrei dificuldades técnicas, porque eu precisava levar em consideração o contexto, que é de uma unidade de conservação. A responsabilidade sobre isso é grande e apesar de alguns criadores já utilizarem espécies comerciais exóticas para formar as pastagens, eu como técnica nunca me senti realmente confortável para indicar sua utilização. A alternativa seria utilizar recursos locais, plantas que fossem naturais da região, mas aí encontramos uma barreira técnico científica. Precisávamos saber exatamente que espécies existem lá, sua origem, suas características e seu potencial como planta forrageira. É um projeto que possui muitos desafios em relação à logística, mas conseguimos com criatividade contornar a maioria desses problemas. Contei com o apoio do prof. Robert Macedo, que antes mesmo de ser meu orientador, já articulava comigo as nossas opções para esta pesquisa.

Além dele, tive um apoio muito importante da Ana Carolina Barbosa de Lima, doutoranda da Universidade de Indiana. Ela me ajudou muito a construir a metodologia participativa, onde os criadores indicaram as plantas que o gado come e compartilharam suas experiências com elas. Outra pessoa fundamental foi a Dra. Angela Steward, que na época era minha coordenadora, ela me deu apoio desde o começo e se tornou minha co-orientadora. Sempre acreditou muito no meu trabalho e isso sempre foi importante pra mim. Não é fácil estudar e trabalhar, então nesta hora é muito importante que você tenha apoio da sua instituição e da sua equipe de trabalho. Toda a equipe do Programa de Manejo de Agroecossistemas do Instituto Mamirauá me ajudou de alguma forma, seja me acompanhando em campo, como também me substituindo em alguns trabalhos. Muita gente me ajudou a fazer isso. Contei com um total de cinco voluntários para o trabalho de campo e com a gentileza e paciência de 13 criadores que participaram da pesquisa. Eu devo muito há muitas pessoas e é bom que se faça este reconhecimento, porque ninguém chega a lugar nenhum sozinho e gratidão é algo muito importante na vida. Teve muita gente envolvida dentro e fora do Instituto, cada um de uma forma diferente, mas fundamental pra fazer acontecer.

PF: Você sentiu alguma barreira pelo simples fato de ser mulher nesse meio?

PA: Engraçado, particularmente eu acho que senti mais dificuldade em relação a isto na época que trabalhava no Rio de Janeiro do que aqui no Amazonas. Lá no Rio vivi e presenciei várias situações em que os fazendeiros não “colocavam fé” em ter uma mulher cuidando de um animal grande e pesado como bovinos e equinos, mas eu achava até engraçado, porque já teve situação do proprietário ver a gente atuando e ficar falando pros outros homens: “Tá vendo! Olha o que essa menina faz! Vocês nem tem coragem de chegar perto desse boi!”. Então aprendi a lidar com essas situações com tranquilidade e com trabalho.

Já no Amazonas não teve isso. Sempre me receberam muito bem e sempre me trataram com respeito. Claro que já presenciei uma ou outra atitude machista em especial dos maridos com suas esposas, mas nesses casos eu me senti à vontade pra conversar com os homens e procurei fazer eles entenderem como é importante eles apoiarem as esposas. Mas uma coisa interessante aqui no norte foi entender a divisão de tarefas entre homens e mulheres. A gente, que vem do sudeste, as vezes tem a ideia de que igualdade de gênero é quando o homem e a mulher desempenham os mesmos papeis. Aqui compreendi que o fato da mulher ter atividades diferentes das dos homens, não significa necessariamente uma forma de machismo, mas uma organização necessária para o cumprimento das tarefas. De forma geral, nos lugares em que trabalho, as mulheres tem voz ativa nas decisões e isto, sim, é muito importante.

A mulher precisa ser respeitada e ter liberdade de escolha e de pensamento, isto é igualdade de gênero. Outra coisa que o Amazonas dá de dez a zero no sudeste é no futebol. A mulherada joga junto com os homens e as vezes até melhor! Todas as festas nas comunidades tem torneio de futebol e todo mundo participa: homem, mulher, criança. Isso é bem legal!

PF: Como você ficou sabendo do prêmio?

PA: Hahaha foi pelo Facebook! As redes sociais tem esse lado positivo! Dá pra divulgar muitas coisas legais entre seus amigos e olha aí no que dá! Minha amiga Nina que compartilhou a notícia. Ela ficou super emocionada quando encontrei ela para agradecer. Quando li sobre o prêmio faltavam só 3 dias pra finalizar as inscrições. Foi um desespero só responder tudo e mandar todos os documentos, mas valeu a pena! Quem podia imaginar que uma simples postagem se transformaria nisso tudo?!

PF: O que significa ganhá-lo?

PA: Esse prêmio criou diversas oportunidades! Ele me permitiu conhecer um outro país, com diferentes entendimentos e experiências na área da sustentabilidade. Permitiu fazer contatos e conhecer diferentes trabalhos pelo mundo através dos outros ganhadores, permitiu compartilhar minhas idéias com especialistas da minha área e vai me permitir ainda fazer um intercâmbio numa instituição alemã por três meses ano que vem, estreitando relações institucionais. É uma grande oportunidade de aprendizado! Por isto tudo este prêmio é muito especial: porque acima de tudo ele promove o diálogo no âmbito global e isso é uma grande responsabilidade! Quando alguém pensa num prêmio a primeira coisa que as pessoas pensam é no reconhecimento. Isso realmente é bom e motivador, mas tem outras coisas que vem na cabeça da gente quando isso acontece: primeiro é o tanto de gente que te ajudou pra você estar naquele momento. Eu passei dias pensando e agradecendo por cada pessoa que passou pela minha vida. Depois, vem o peso da responsabilidade. Afinal o Green Talents não é apenas um prêmio que você participa de uma cerimônia e vai embora. Eles criam tantas oportunidades para você se desenvolver na sua área que em certo momento aquilo pesa. É muita responsabilidade representar uma idéia, um grupo de pessoas e dar continuidade a isto tudo!

PF: Quais os próximos passos?

PA: Os próximos passos são definir a instituição onde farei o intercâmbio e em seguida definir os objetivos dos trabalhos para este período. Em relação aos próximos passos do projeto é defender o mestrado até fevereiro e dar continuidade à este trabalho nos próximos anos, para que a gente tenha o máximo de conhecimento sobre nossas alternativas para embasar as estratégias de manejo do gado na Reserva Amanã.

PF: Qual recado você deixaria para as leitoras do Plano Feminino?

PA: Acho que uma coisa que eu gostaria de ressaltar aqui é que muitas vezes eu ouço as pessoas dizendo que amam mais os animais do que as pessoas. Já ouvi muito isso, mas uma coisa que aprendi e que acredito muito é que mesmo que seu trabalho seja em prol dos animais ou do meio ambiente, você só vai ter sucesso se aprender a dialogar com as pessoas. Diálogo, respeito e compreensão são palavras-chave para muitas coisas na nossa vida. Quando trabalhamos com sustentabilidade, precisamos considerar todos os envolvidos: animais, ambiente, leis, cultura, hábitos, enfim… são tantos fatores envolvidos que muitas vezes a sustentabilidade parece uma idéia utópica. É difícil agradar a todos, mas esse é o desafio: encontrar o ponto em comum e para isto, precisamos dialogar entre as ciências e a comunidade. Sustentabilidade é diálogo. As pessoas tem o poder de transformação e se você quer mudar alguma coisa, então aprenda a trabalhar com as pessoas antes de qualquer coisa.

PF: Tem algo que não perguntamos, mas acha importante citar e compartilhar com outras mulheres?

PA: Queria compartilhar aqui muitos outros trabalhos incríveis desenvolvidos pelo Instituto Mamirauá. O site é www.mamiraua.org.br e o site do Programa de Pós Graduação em Agricultura Orgânica é http://r1.ufrrj.br/wp/ppgao/. Lá vocês encontram mais informações sobre o curso e outros trabalhos muito legais na área da agroecologia e da agricultura orgânica desenvolvidos pelos mestrandos.

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