Estávamos na padaria e Joana me perguntou como eu me sentia depois de dois meses da morte de minha mãe. Eu não sei bem como me sinto, imagino que parte do meu sentir se transformou num não sentir, me preencho a cada dia de mãe. Disso, por estranho que possa parecer, engatamos num papo descontraído e nos lembramos do dia do enterro de minha mãe e me dei conta de que celebrações por mais pesarosas que sejam têm momentos de sorrisos. É isso, os enterros trazem o calor de amigos, dão a possibilidade de revermos pessoas queridas e sermos carinhosamente acolhidos por elas. É uma despedida tão definitiva que precisamos nos reconhecer na compaixão.
Nesse dia havia em mim uma oscilação constante, eu lacrimejava, sorria contido, chorava soluçado, cheguei até mesmo a um riso mais solto, quase um suspiro latejante. Me lembro bem de ter saído para almoçar com dois grandes amigos, ali por perto do cemitério e escolhermos com cuidado o restaurante, parece bobagem escolher a dedo um restaurante no dia do enterro de alguém, mas não é. Nós queríamos nos aquecer, celebrar a vida daquela mulher que tanto apreciávamos. Falamos por horas, as vezes não contínhamos as lagrimas, comemos uma massa bem quente e brindamos em silêncio os oitenta anos bem vividos de minha mãe. Foi bom!
O papo com Joana na padaria enveredou para lembranças de enterros e missas de sétimo dia, a memória de nossos mortos nos invadiu e sentimos um bem estar. Então, me veio à mente a mesa arrumada no velório de meu pai. Minhas tias meticulosas ornamentaram uma mesa que foi posta debaixo da janela, tinha uma luminosidade laranja, quase dourada. Na verdade, não sei porque tinha tanta gente na minha casa se o velório era em outro lugar. O fato é que havia uma tolha de renda e uma variedade de bolos feitos em casa, pão de ló, bolo de fubá, nega maluca e duas garrafas térmicas com café e chá. A cozinha da casa de meus pais nunca esteve tão cheia, até hoje me pergunto como uma mesa de quatro lugares de repente foi rodeada por umas 15 pessoas, todas muito silenciosas e de olhos brilhantes. Me lembro bem de estar com os meus tios de Minas, eles faziam um bem a mim e aos meus irmãos que em palavras não sei descrever. Sabe quando dá um ardidinho na garganta de felicidade, foi isso que senti. Eu tinha dezoito anos e meu pai, minha referencia de amor, não estava mais por ali e eu pude perceber que ainda havia modos de experimentar alguma felicidade.
Ficar sem a presença de pessoas que nos são caras causa um impacto incomensurável sobre nossas vidas, sobre nossos sentimentos quanto ao mundo que nos cerca, faz da existência e dos amigos um lugar ainda mais valioso. Conservar suas memórias com sorrisos e inevitáveis lágrimas torna possível sustentar-nos na serenidade.