De uns anos pra cá temos falado muito em “modernidade líquida”. A grosso modo, é a definição do mundo moderno como algo em processo de transição e fluidez. O enorme fluxo de informações, a possibilidade de aprendizado e conhecimento faz com que o ser humano moderno seja tudo, menos estático. Vai daí a história de LÍQUIDO. O que é líquido se move, flui, não para nunca.
Mais recentemente, o recém-falecido sociólogo Zygmunt Bauman expandiu o conceito, falando especificamente de amores líquidos e como as nossas relações são efêmeras, como os laços são superficiais. E eu, do alto de meu não-diploma de sociologia, da minha completa falta de academicismo no assunto, me permito discordar um tanto. Pode ser que como sociedade a gente caminhe pra isso, mas como indivíduo, dá pra não ser, se a gente quiser.
É possível construir laços – a liquidez deles está mais no formato do que na não-permanência. Por exemplo: o casamento tradicional tinha uma cara: um homem, uma mulher, filhos, até que a morte os separe. Em caso de divórcio, era cada um pra um lado e brigas eternas sobre guarda de filhos e pensão. Hoje vejo pessoas que se separam e conseguem se manter amigos ou sócios em um negócio. Entendem que a relação acabou, mas que permanece algum tipo de amor ali, que não é o amor romântico da paixão, mas um laço profundo, que liga essas pessoas de alguma maneira. Claro que se o relacionamento acaba com traição, ofensa, é difícil que continue a amizade, mas se ele apenas acabou, por que não?
Por que a gente fala que o relacionamento deu errado, quando ele termina? E se ele existiu durante um período, e se transformou?
Pode ter dado certo durante um tempo, e apenas acabou (ou mudou). A liquidez é a transformação do amor, e não a superficialidade de pegações de tinder que alguns insistem em manter. Conheço muita gente que prefere nunca se ligar a ninguém, que nunca se coloca em posição vulnerável, que tenta controlar tudo que vive e sente. Que triste controlar tudo. Que triste achar que tudo está sob seu poder e controle, e ver os sentimentos ficando cada vez mais longe.
Amar é estar vulnerável, não é? É permitir que a outra pessoa se aproxime, permitir que você chegue perto do outro. Deixar que o outro veja suas falhas e enxergar as da outra pessoa. E amar, com as falhas e tudo.
E quando termina, se termina, entender que mudou, que passou – e que o amor pode continuar, de outro jeito, que não envolve romance, paixão, e sim um respeito pelo outro – amar é respeitar. É fazer o que foi combinado, não magoar o outro e não magoar a si mesmo. Falar a verdade, ouvir o que o outro tem a dizer, deixar o coração se encher, se partir e encher de novo.
C.S. Lewis, um autor que amo, escreveu o seguinte:
“Amar é estar vulnerável. Ame qualquer coisa e seu coração será esmagado, e possivelmente quebrado. Se você quer ter certeza que ele fique intacto, não o entregue a ninguém – nem mesmo a um animal de estimação. Embrulhe-o cuidadosamente com passatempos e luxos; evite todos os envolvimentos. Tranque-o a salvo no baú de seu egoísmo. Mas nesse caixão, a salvo, no escuro, imóvel, sem ar, seu coração vai mudar. Não estará quebrado: se tornará inquebrável, impenetrável, sem esperanças, irrecuperável. Amar é estar vulnerável”.
Vamos amar e deixar nossos corações respirarem.