Lembram-se do Caymmi? O compositor baiano que sempre estava de bem com a vida? Enquanto viveu, não sei das viagens que fez nem do dinheiro que acumulou, apenas o via na televisão sempre com um sorriso maroto no rosto. Deitado numa rede, com movimentos de bicho-preguiça e aquele sorriso. Nada de gargalhadas estridentes, somente aquele riso leve, vagaroso. O que ele observava virava música. Simples letras retratando aquele jeito Bahia de ser. Se a Anália não quisesse ir, ele iria só. E tudo bem ir só, como dizem em Minas, “bom tamém”.
Num livro da Clarice Lispector, há uma personagem que gostaria de sentir uma alegria modesta e diária. O Caymmi sentia. A minha faxineira também sente. Um dia perguntei a ela: Dorinha, como vai a vida? Ela me respondeu “melhor impossível”. Melhor impossível! Mora onde Judas perdeu as botas, a grana é curta, os parentes estão todos no Nordeste e faz anos que ela não os vê. Mas está ótima a vida
Li que estudiosos holandeses realizaram uma pesquisa e constataram que a felicidade pode evitar doenças e aumentar em até dez anos o tempo de vida do felizardo. Aliás, conheci uma vez um cara chamado Felizardo. Será que ele é feliz com esse nome? Não sei. Pelo menos se chama assim, e de tanto dizer sua graça para atendentes de telemarketing e possíveis namoradas, talvez a palavra entoada ao longo dos anos tenha se tornado um mantra e o ajudado a evitar qualquer baixo astral. Falam por aí que as palavras têm força, não é? Se for assim, melhor do que se chamar Tristão.
Fico feliz quando escrevo um texto. Fico feliz quando vejo um filhotinho de cachorro, degusto um bom prato mineiro, revejo um amigo distante, ouço uma música gostosa, recebo um elogio de namorado, ajudo alguém. Do outro lado do meu rio, ah quanta tristeza. Perdas, culpas, preocupações – como guardá-las numa gavetinha se elas pulam sempre para fora? Alguém aí pode me explicar a habilidade natural de ser feliz de certas pessoas, como o Caymmi?