Helaine Martins é uma mulher que não fica quieta diante do preconceito. Jornalista, ela criou o Entreviste um Negro para que vejamos cada vez mais pessoas negras em todos os dias do ano participando de grandes eventos, sendo convidadas para palestrar, para dar entrevistas e terem seu protagonismo o ano inteiro.
A jornalista é carioca, com uma família que vem toda do Belém do Pará, então ela mesma diz que se reconhece mais como paraense. Diz que foi em Belém que viveu os melhores anos de sua vida e fez amigos que seguem com ela até hoje.
O jornalismo sempre esteve em sua veia. Este era seu plano desde criança. “Sempre tive o sonho de ser jornalista. Não me lembro de querer ser outra coisa. Aos 10 anos, meu presente de aniversário foi uma assinatura do jornal O Globo e eu lia o jornal todo, todos os dias. Quando prestei vestibular, não tive dúvidas em me inscrever para jornalismo na Universidade Federal do Pará, onde me formei em 2003″.
Trabalhou com comunicação organizacional em assessorias de empresas e órgãos governamentais. Em 2009, mudou-se para São Paulo e, desde então, atua como freelancer como repórter e produtora de conteúdos, especialmente de impacto social. Já trabalhou em projetos de grandes empresas como TAM, Embraer, Raia Drogasil, Votorantim, Petrobras, Grupo Pão de Açúcar, Pernambucanas e Pepsico. “Tenho muito orgulho de, nesses últimos anos, só colocar no mundo trabalhos que impactam positivamente a vida das pessoas, principalmente mulheres e pessoas negras”.
Em 2014, passou a se interessar pelos estudos sobre feminismo e questões raciais, então, fez pós-graduação em Cultura, Educação e Relações Étnico-Raciais, na ECA/USP, e desse interesse surgiram seus dois principais projetos profissionais: o Entreviste um Negro e a Idánimo.
Em 2015, Helaine foi citada na lista das mulheres mais inspiradoras do Think Olga pela criação do projeto Entreviste um Negro, um banco de dados público e colaborativo que conecta profissionais negros, experts nas mais diversas áreas, a jornalistas que procuram fontes especializadas.
“Em 2017, fundei (junto com a publicitária Joana Mendes, a relações públicas Gabriela Moura e o social media Gabriel Silva Matos) a Idánimo, uma consultoria de comunicação especializada em questões raciais. É a única consultoria de comunicação focada em raça e com uma equipe 100% negra no país.”
Helaine diz que tem um curso chamado ‘Se o Brasil é negro, por que a comunicação é branca?’ “É uma provocação justamente porque temos um mercado de comunicação com predominância branca e masculina, seja na publicidade, na imprensa, no cinema, na TV. E essa ausência de diversidade, infelizmente, não é novidade.
O mercado da comunicação brasileiro é um caso-modelo de reprodução das nossas relações, sejam elas raciais ou de gênero. E é sempre da mesma forma: invisibilizando e silenciando negros e mulheres. Por isso eu costumo dizer que esse é um mercado que precisa urgentemente de ações afirmativas para que mulheres e pessoas negras não só sejam contratados, como também ocupem posições hierárquicas, com poder de decisão e recebam salários iguais”.
Helaine completa ainda com informações do jornalismo de acordo com o Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), que diz que os negros e negras jornalistas somam apenas 23% e apenas 5% são mulheres. “É um número que não chega nem perto do percentual de 55% de negros na sociedade brasileira, segundo o IBGE. E isso se reflete nos produtos que consumimos: um discurso fortemente racista e machista naturalizado na publicidade; na invisibilização e reforço de estereótipos do negro e da mulher no cinema e na TV; no desinteresse por pautas que contemplem as causas e ações feministas e antirracistas; e na publicação recorrente de equívocos grosseiros, demonstrando o desconhecimento da temática étnico racial e de gênero dentro das redações”.
Helaine diz ainda que o Entreviste um Negro surgiu de experiências vividas por ela, que vem de uma família negra classe média e se via sempre como a única negra da turma, frequentando espaços que eram de maioria branca mas, como as questões raciais nunca foram pautas em sua casa, por muito tempo isso nunca foi um problema para ela. “Claro que nada disso me isentou de ser vítima de racismo. Só que me dei conta de muitos episódios racistas que vivi ao longo da vida, já adulta. Mais especificamente em 2014, quando comecei a me aproximar do feminismo e logo percebi que não tinha como estudar sobre questões de gênero sem pensar em raça. O que vale para todo mundo, mas fica muito mais claro se você é uma mulher negra. É o que depois descobri que chama interseccionalidade”.
Com esse conhecimento a respeito de gênero e raça que passou a ter conforme ia lendo mais sobre o assunto, Helaine começou a se questionar como jornalista e pensar como poderia criar mudanças por meio do seu trabalho. “Essas reflexões, felizmente, me levaram a alguns incômodos como, por exemplo, a cobertura jornalística que oculta as vozes de especialistas negros.
Comecei a prestar atenção na cobertura jornalística de TV, especialmente naquelas que tratavam de questões raciais, e percebia que o especialista era sempre branco. Isso me incomodava, porque eu achava que de alguma forma isso tornava a pauta meio enviesada. Passei a fazer esse mesmo questionamento a colegas jornalistas e a desculpa era sempre de que havia uma suposta ausência de profissionais negros qualificados. ‘Ah, eu não entrevisto negro porque eu não encontro especialista negro.’ E isso parte de um estereótipo racista de uma sociedade que não nos vê como intelectuais, como produtores de conhecimento”.
Foi aí que, em 2015, Helaine começou a pensar em criar a plataforma com recorte racial para facilitar e estimular o contato de jornalistas com especialistas negros e então surgiu o Entreviste um Negro, um banco de dados com mais de 100 especialistas negros, homens e mulheres das mais diversas áreas.
“A plataforma funciona de uma forma bem simples. Quem é jornalista acessa o banco de fontes, procura pelo profissional que melhor se encaixa na pauta e entra em contato diretamente com ele. Se a pessoa quer ser fonte ou indicar uma, é só mandar para o e-mail [email protected] com nome, uma minibiografia, as áreas de expertise (os assuntos que pode abordar numa entrevista em formato de palavra-chave), contato (site, portfólio, telefone e/ou e-mail), e cidade onde a entrevista será realizada, caso seja feita pessoalmente”.
Entreviste um Negro é um caminho para deixarmos de ser objetos e nos tornarmos sujeitos, protagonistas das nossas próprias histórias. É uma forma de falarmos por nós mesmos.
Helaine completa dizendo que, para 2019, o plano é ampliar o projeto para facilitar tanto a experiência de cadastro do especialista quanto o acesso do jornalista e passar a atuar como uma agência de conteúdo especializada em questões raciais.
Em relação à raça, a jornalista diz que já passou por situações constrangedoras como ouvir de uma chefe ‘você nem é tão negra assim’ e completa: “Já tive minha competência questionada, perdi vaga para profissionais brancas, apesar de ser mais qualificada. Nunca foi algo muito explícito, mas a gente entende o que há por trás disso”.
Hoje, os Planos de Helaine estão focados em alcançar a diversidade e pluralidade de raça e gênero na comunicação. “Eu acredito, de verdade, que o pleno exercício da democracia, e, por consequência, a superação dos problemas raciais e de gênero, perpassa estratégica e fundamentalmente pela prática de uma comunicação – especialmente de um jornalismo – mais plural e inclusivo”.
Para as mulheres que estão em busca de uma oportunidade e reconhecimento no mercado, Helaine deixa um conselho valioso: “Não duvide de si mesma. Nós passamos muito tempo questionando nossas habilidades e nossa competência, tendo medo. Hoje, eu faço um exercício diário de dizer para mim mesma que eu posso, que eu sou qualificada, ainda que tentem me provar o contrário”.
Acreditar na sua potência é realmente importante para conquistar seus espaços, é assim que é possível hackear o sistema e mostrar o seu valor para o mercado. Acredite que você é capaz de realizar todos os seus planos e vá em frente!
Manda pra gente a história de outras mulheres incríveis e inspiradoras, que queremos mostrar quantas mulheres poderosas existem por aí! É só enviar por e-mail no [email protected] que sua história pode vir aqui para o site.
Pingback: Helaine Martins: uma despedida – Estadão Expresso