Jarid Arraes é uma mulher poderosa de 27 anos, cheia de planos. Nascida em Juazeiro do Norte, interior do Ceará. Hoje, ela mora em SP, onde criou suas raízes. Escritora, poeta e cordelista, Jarid criou o projeto Clube da Escrita para Mulheres, que são encontros quinzenais nos quais são oferecidas, de forma gratuita, às mulheres de todas as idades, técnicas de escrita, apoio, discussões sobre o mercado editorial, além de abordar a literatura como política

Como se não bastasse, Jarid também é curadora do selo Ferina, que é voltado para publicar literatura escrita por mulheres brasileiras diversas (de verdade), oferecendo, assim, cada vez mais oportunidades às mulheres que querem ingressar no mercado editorial.

Autora de obras de sucesso como As Lendas de Dandara e Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis, nesse papo pra lá de inspirador, Jarid contou pra gente um pouco da sua história e o que a inspirou a escrever. “Eu cresci lendo cordel, porque meu avô e meu pai são cordelistas, e aos 13 anos tive contato com a poesia, enquanto voltava da escola na garupa da moto do meu pai. Ele recitou “no meio do caminho tinha uma pedra”, de Carlos Drummond de Andrade e “apedreja essa mão vil que te afaga, escarra nessa boca que te beija”, de Augusto dos Anjos, pra mim e eu fiquei maravilhada, intrigada.

A partir daí, nunca mais parei de amar poesia. Mas minha trajetória como leitora sempre foi marcada por homens poetas, porque os livros escritos por homens eram muito mais acessíveis. Ou eram os únicos acessíveis para mim, que morava no Cariri, numa cidade, naquela época, sem livraria. Aos poucos fui conhecendo mulheres escritoras, com o acesso a internet, e só adulta conheci escritoras negras, quando encontrei o Cadernos Negros, onde Conceição Evaristo publicava junto de outras autoras maravilhosas, como Miriam Alves e Esmeralda Ribeiro.

Nesse processo de descoberta de escritoras negras, descobri o Feminismo Negro e também me descobri negra. Foi todo um combo de descobertas. E isso foi fundamental para que eu me sentisse fortalecida e me autorizasse a escrever para o mundo. Porque eu escrevia e deixava tudo escondido. Mas a partir dali tive coragem para publicar, mostrar.

Porque eu percebi que essa era uma questão maior do que eu. Se eu não tinha conhecido autoras negras antes, esse era um problema do mercado editorial, um problema de racismo e de machismo.

Então até hoje a minha trajetória pessoal e profissional é enraizada nisso, num olhar que não se perde do coletivo. Porque penso que a literatura sempre é política, quer você saiba ou (finja que) não.”

 

 

Bem só pelo início dessa conversa, já é possível perceber como o mercado editorial desfavorece mulheres. Jarid completa ainda dizendo que este é um mercado elitista, machista, racista e voltado especialmente para as regiões sul e sudeste do nosso país, com conteúdos bem repetitivos. “Parece ter um problema de criatividade, mas, na verdade, tem um problema de monopólio. Quando você vai se aproximando e vendo como funciona, percebe por que nas livrarias estão sempre os mesmos nomes. Parece que aqueles são todos os escritores do mundo e, oh!, que coincidência serem tantos e tantos homens brancos sudestinos de meia idade, né?”

Ela completa ainda dizendo que mesmo quando buscar por livros escritos por mulheres, vê que existem muito mais títulos escritos por mulheres brancas, da região sul e sudeste do país e que entrar nesse mercado, é realmente muito difícil: “Ser mulher e não ter o sobrenome correto, os amigos corretos dentro das editoras, ser mulher e não estar na cidade correta, não ter a cor de pele correta, não ter a orientação sexual correta – principalmente que se reflita no seu texto – te levanta muitas barreiras.”

E então você pode recorrer a autopublicação, mas o mercado editorial, o grande mercado, não vai levar a sério uma autora autopublicada, se ela não fizer muito barulho. Mas como fazer muito barulho se ela não consegue entrar nas livrarias para ser lida? Se não tem dinheiro para divulgação? Se não é convidada para eventos? É necessário desenvolver mil estratégias. E isso é possível, mas por aí percebemos como é muito mais difícil para quem não se enquadra nesse grupo do piloto automático.

Jarid completa ainda, dizendo que o mercado editorial não se renova, que falta investir em conteúdos diversos e que isso é muito ruim para todos, tanto pra quem lê, como para quem escreve. “Os grandes choramingam, falam que os brasileiros não leem. Mas nada fazem para que os livros sejam mais diversos, para que os romances se passem em regiões diferentes do Brasil, para que os leitores possam realmente se identificar com a literatura de maneira genuína e, principalmente, para que as pessoas não enxerguem a literatura como algo inalcançável.”

Apesar desse ponto negativo, a escritora é otimista em relação aos mercados independentes, que pensam em estratégias para atingir um público variado, especialmente aqueles que estão transformando sua lógica de consumo, quem procura pequenas livrarias e gostam de adquirir obras diretamente com os autores e pequenas editoras.

“Acredito no potencial transformador de movimentos como o #LeiaMulheres, o Mulheres que escrevem, o Clube da Escrita Para Mulheres e o Slam das Minas. Acho que é por aí. Que é algo histórico.”

Jarid diz ainda que o preconceito é recorrente, mas muitas vezes, no mercado editorial, ela aparece de forma silenciosa e que se questiona muito sobre o por quê de tudo isso: “São as ausências forçadas. Os convites não feitos, as entrevistas que poderiam existir e não existem. Por exemplo, hoje, sou uma autora best-seller. Já vendi vinte mil livros, mais de 70 mil cordéis.

Enquanto falo de literatura afro-brasileira, sempre tem convites para entrevistas. Porém, com meu livro novo, o “Um buraco com meu nome”, ainda tenho percebido um silêncio. É cedo para dizer algo em definitivo, mas fico me perguntando se é porque estou querendo ser ‘igual demais’. Se é porque não estou no lugar ‘do outro’.

E é assim que podemos enxergar a discriminação. Será que é normal que uma autora tão lida experimente um silêncio tão grande enquanto divulga uma nova obra? Não que eu ache que mereça atenção só porque sim. Mas isso é algo que me bota para pensar. Será que é o estilo da obra, já que dizem que ninguém lê poesia? O que será?”

 

 

Além dessa discriminação silenciosa, Jarid já sofreu algo mais explícito, em que pessoas diziam que ela ‘fala demais sobre cor’, que precisa baixar o tom para que alguma editora publique seus livros. “Mas estavam todos errados, porque as ideias que tive para minhas obras e falar como eu falo foi exatamente o que me fez conquistar leitores maravilhosas, sensíveis e amigos.”

Uma das inspirações de Jarid para escrever, se deve ao fato de encontrar poucas autoras valorizadas, especialmente as negras. Ela contou pra gente como decidiu fazer parte da mudança desse cenário na literatura: “Eu decidi fazer parte da muança nesse cenário da literatura quando percebi que essa era minha única opção. Porque nenhuma editora acreditou em mim quando eu falei que “As Lendas de Dandara” era uma ideia inédita e atemporal.

Eu publiquei independente, aprendi a divulgar, e ele esgotou. Quando uma editora se interessou e publicou, o livro esgotou, esgotou e já estamos aí na quarta reimpressão. Depois, com o Heroínas Negras Brasileiras, foi a mesma coisa. Eu já tinha vendido mais de 20 mil cordéis da coleção e, mesmo assim, editoras grandes e pequenas rejeitaram ou nem sequer responderam.

Quando a Pólen quis e o livro se tornou best-seller em números, ficou todo mundo com a cara no chão. Isso é mais do que sobre mim e minha carreira. Isso é algo que prova muita coisa sobre a autopublicação, sobre a força da coletividade, sobretudo a coletividade negra, e sobre as histórias das pessoas negras no Brasil. Histórias que tentaram enterrar, mas que sobreviveram e que são grandiosas.”

Sobre o sucesso dos seus livros, Jarid acredita que isso se deve ao fato de ela escrever sobre coisas inéditas, algo que nunca ninguém havia dito antes. “Eu escrevo livros que eu não encontrei, que eu nunca li, que procurei e não achei. Então eu fui lá e escrevi. E eu sabia que esse vazio que eu sentia era também o vazio que muita gente sentia. De novo, algo coletivo.”

 

 

Seu segundo livro, Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis é uma inspiração e tanto. O processo criativo desse livro, aconteceu enquanto Jarid escrevia histórias de heroínas em folhetos de cordel, e ia publicando uma a uma, até que chegou a uma coleção com 20 mulheres incríveis. “Quando eu tinha vendido cerca de 20 mil conjuntos da coleção, pensei que era hora de transformar em livro, principalmente para ter um material mais robusto, já que os cordéis são muito utilizados em escolas e eu me preocupava com a durabilidade deles.”

Foi aí que ela passou a oferecer para várias editoras, das mais conhecidas, até as menores, até que a Pólen acreditou no seu trabalho e adorou a ideia da publicação. “Em pouco tempo estávamos com o livro mais lindo do mundo, o projeto gráfico e as ilustrações feitas pela Gabriela Pires. Para o livro, escolhemos 15 Heroínas de vários períodos histórias e de diferentes regiões do Brasil. Pensamos em ter diversidade, claro.”

E você pensa que a Jarid parou por aí? Ledo engano… Neste ano, ela ainda criou o selo Ferina com a Lizandra Magon, dona da editora Pólen, com o objetivo de publicar livros de mulheres brasileiras, principalmente estreantes, as que não teriam muito espaço em outras editoras, mas que possuem uma literatura excelente.

“Nossa ideia é ter um catálogo superdiverso, com mulheres negras, indígenas, trans, de várias regiões do Brasil, entre outras. E começamos com um Conselho Editorial que representa isso, com 11 mulheres diversas e de muitas áreas do livro, desde escritoras e ilustradoras, até sociólogas, vendedoras de livros, designers, coordenadoras de projetos voltados para mulheres escritoras, enfim. Eu estou no papel de curadora, vou ler os originais, trabalhar com as autoras.

Nossa ideia é ser bem ferina, bem feroz, nos textos, na postura política. Estamos animadas. O primeiro livro do selo é o meu, o “Um buraco com meu nome”, que sai agora dia 18 de agosto, na Blooks do Shopping Frei Caneca, 14h. E depois lançamos um livro de contos do #LeiaMulheres, com autoras do Brasil inteiro. É um editora pequena, mas que faz muito barulho. Ferina.” Já fica aí o convite pra vocês conferirem esse lançamento, que será incrível, não temos dúvidas. <3

Depois de tantas histórias incríveis, claro que o que não falta pra Jarid são planos, né “Estou expandindo o Clube da Escrita Para Mulheres, conto com a Dani Costa Russo, escritora, que coordena o Clube comigo, e com a Anna Clara De Vitto, também escritora.

Vamos começar uma editora cartonera para publicar as participantes do Clube. Também tenho mais livros na cabeça, até uns projetos musicais envolvendo as coisas que escrevo. No momento, quero trabalhar o “Um buraco com meu nome”, provocar meus leitores e mais pessoas, para que leiam poesia, para que sejam impactados pelos temas dessas poesias, que falam de racismo, de misoginia, de saúde mental.”

Para as mulheres que querem conquistar cada vez mais espaços, onde quer que seja, Jarid  deu algumas dicas bem valiosas: “Acho que a dica mais importante que tenho é nunca, jamais, pedir espaço. Não ter uma postura de espera, de quem pede por aquele espaço. A postura tem que ser de ‘arrombamento’, tem que ser de um fazer autônomo, independente. Muitas vezes isso implica em fazer algo próprio. Em tentar ser vista porque você saiu fora da curva e forçou a entrada com algo seu que foi muito melhor do que aquilo lá, que é o de sempre.

Sei que é difícil. Eu sinto desespero em muitos momentos. Mas sei também que se não for assim, nada me será dado. Quem tem o poder, não vai abrir mão dele. Então, se eu quero o meu espaço… eles vão ver só uma coisa.”

Como diria Karol Conká, “Já que é pra tombar, tombei!”… Jarid é esse tipo de mulher, que vai, faz, acontece e ocupa os espaços. Espaços que são dela por direito e é isso que ela mostrou pra gente nessa entrevista incrível.

Vai lá, mulher! Se posicione, mostre do que é capaz, crie, inove e vá ocupando seus espaços. Faça acontecer, porque só você conhece suas lutas e seu desejo de conquistar.

Agora, vem com a gente, mande muitas outras histórias inspiradoras de mulheres que estão tombando por aí no nosso e-mail elatemumplano@planofeminino.com.br. Queremos contar muitos outros planos incríveis por aqui.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *