Contêm spoilers sobre a série Sex Education.
Lembro em 2012 quando passei a usar as redes sociais para me conectar com o feminismo, que o assunto liberdade sexual foi um dos principais temas que lia nas redes, e hoje amadurecendo meu ponto de vista, percebi que naquela época muitas pessoas falavam como se transar muito significasse ser sexualmente livre. Sinto que de uma forma estranha, isso foi vendido para mim em especial por homens que se diziam feministas. Óbvio que hoje entendo os reais motivos e intenções destes homens ao querer impor essa ideia: mais uma manifestação do seu machismo e apropriação das pautas feministas quando essas são convenientes na concepção masculina. Por isso na atualidade quero falar de sexo, não como faço ou se sou boa ou não fazendo, e sim como só falar sobre isso já é muito importante, em tempos que uma geração se sente sexualmente livre e acha que é inclusive imbatível com os fatores que envolvem uma sexualidade plena, como a proteção contra DSTs.
A sexualidade é um tema ainda TABU em pleno século XXI, o que é estranho, pois ainda tratamos como assunto íntimo que deve ser feito e não comentado, quando o ato de falar de sexo em si torna o ato de fazer mais saudável e mais compreensível para que cada um entenda seus limites. Nossa sociedade vem caminhando para repressão e conservadorismo, a ausência da sexualidade como tema a ser debatido evidência isso. Afinal, não estamos deixando de falar pois é um assunto superado, estamos deixando de falar pois ainda é um assunto tratado como “imundo”. Até os mais “desencanados” desse país, foram influenciados e moldados dentro dos moldes cristãos, e mesmo que ignoremos essa educação, ela ainda perpetua nossos comportamentos. Por isso, a série “Sex Education” da Netflix, é um alívio cômico e importante sobre como estamos fazendo nossas escolhas e o quão estamos debatendo ou não essa temática. Por mais que a série caia em clichês como o grupo de meninas malvadas, os excluídos estranhos e os bad boys, ela também apresenta essa gama de personagens com camadas distintas partindo da premissa sexual e afetiva. A cena de Otis (Assa Burtterfield) dançando com Eric Effiong (Ncuti Gatwa) no baile da escola é um exemplo disso, mostra a amizade de um garoto gay com um hétero sem chavões, com beleza e naturalidade.
Por tantas questões “Sex Education” não trás uma narrativa óbvia, tampouco que se resume a sexo. A série debate o comportamento de adultos, no caso em especial de pais, respingando e definindo as ações de seus filhos, inclusive e em especial na sexualidade. São essas subjetividades que geram a identificação que grande parte do público teve com a série, pois os comportamentos humanos não são simplistas, ainda mais quando falamos de envolvimento familiar, afetivo e sexual. O que considero fresco na narrativa de “Sex Education”, são os destaques e como são encenados temas que ainda são tabus na produção para jovens sobre sexo, como o ato de fazer um aborto, encenado como isso de fato se dá e com uma naturalidade que não faz disso um drama, e sim o que é um aborto: uma escolha real, possível e plausível para mulheres de diferentes idades e realidades.
E ao falar de idade, “Sex Education” acertou em trazer a sexualidade de uma mãe não como algo a ser escondido, mas como um fator que norteia seu comportamento e escolhas, até mesmo de como criar seu filho. Por mais que Otis Milburn (Asa Butterfild) pareça reprimido pelo comportamento se sua mãe, com o decorrer da série vamos percebendo o quão tudo que ela lhe ensinou e ele aplica com os colegas de escola, são o verdadeiro conceito de liberdade sexual. Por mais que Otis seja o único que não transa ao longo da série, ele é o que mais se aprofunda e compreende o tema ao longo da estória, e sem dúvidas isso é uma emancipação que nem todo jovem possui, e que possibilita ele conceder informações para que outros vivam sua liberdade. Para mim também é claro, como o seu pai ausente cheio de comportamentos machistas (transar na frente do seu filho criança, traindo sua esposa), são muito mais nocivos para Otis, do que o comportamento de sua mãe, que peca pelos excessos e não pela abstenção. Por fim, e talvez o ponto ápice para mim nas discussões de gênero que foram apresentadas e que retomam o ponto que trouxe no começo do texto, as cenas da personagem Aimme Gibbs (Aimme Wood) se masturbando e ficando muito feliz com isso, são muito legais para nós mulheres!
A personagem Aimme começa a narrativa tendo uma vida sexual intensa, porém nunca tinha se masturbado e só após uma conversa sobre o próprio prazer com Otis, passou a entender sexo não como uma função a ser cumprida, e sim como uma experiência de troca e prazer. Parece tudo muito banal, mas ainda é necessário se fazer uma série para mostrar masturbação como algo normal e importante, principalmente para MULHERES. Porque nós mulheres não nos APROPRIAMOS DA NOSSA SEXUALIDADE. Num contexto social, que a masturbação masculina ainda é motivo de orgulho e a feminina tratada como erro. É sabido que muitos ainda consideram que o orgasmo feminino sequer existe, e que a função feminina é a de conceder prazer e não de merecer receber esse prazer, tanto que assim como a masturbação feminina é TABU, sexo oral em mulheres também. Sex Education é uma semente nesse debate para uma geração que comprou a ideia de liberdade como algo já dado e não que é uma conquista recorrente e diária, e para outra que ainda não experimentou a experiência em si, contudo é bombardeado com informações constantes e diárias sobre esse assunto, contudo dificilmente de forma didática.
O uso da internet para sexo, é ainda o da procura por pornografia. Só que pornografia não educa, pornografia na minha concepção deseduca e reproduz uma lógica de violência para com mulheres. Ao fazer uma série que fala sobre sexo, mostrando que essa é uma conversa para ser feita entre garotas e garotos, entre jovens e seus pais, entre hétossexuais e homossexuais, entre professores e alunos, entre as mídias e o telespectador, essa última dobradinha que vem se perdendo na teledramaturgia brasileira. No nosso país, a produção para adolescentes ganhou formas inesperadas, há três anos atrás a Malhação falava mais sobre o desejo de casar com o “príncipe encantado” do que ter uma vida saudável e sexual. Inclusive, na atual conjuntura o sexo saiu um pouco das pautas, por mais que assuntos como gravidez na adolescência, drogas, homofobia, racismo, etc estejam sendo abordados, os roteiros possuem dificuldade em inter relacionar os fatores, quando apresentam personagens gays, eles não têm vida sexual pois um beijo na nossa sociedade homofóbica já é tido como TABU. “Sex Education” têm mais liberdade para tratar esses temas, autonomia essa que a televisão vem perdendo com o tempo, o que é bem estranho, ao invés de avançar, parece que estamos retrocedendo na forma que abordamos assuntos que envolvem sexualidade. Digo isso, pois em 1994 a TV Cultura lançava a série: “Confissões de Adolescente”, e em determinado momento dessa narrativa, temas como aborto foram tratados sem meio termo ou metáforas. Hoje em dia, não existe em novelas destinadas para adultos, mulheres abortando por escolha, quem dirá produções para o público adolescente que citam esse tema.
Voltando para “Confissões de Adolescente”, é estranho como hoje se insiste na chatice do casal que se conhece e fica “feliz para sempre” sofrendo com algum “invejoso” que tenta separá-los. Mesmo faltando representatividade racial e de classe na narrativa de 94, o que tínhamos de incrível que se perdeu aos poucos, são meninas que tem relacionamentos que duram episódios, que não necessariamente se transformam em relacionamentos presentes e constantes na série, afinal não é porque você deu o primeiro beijo num garoto, que ele será o pai dos seus filhos, e talvez você nem queira ter filhos. Acho mesmo que “Malhação – Viva a Diferença” retomou essas raízes de “Confissões de Adolescente”, pois ambas de certa forma tiraram o foco de homens e relacionamentos na vida de jovens, e focaram nas questões envolvendo essas jovens, que claro passavam por isso, mas não necessariamente apenas por isso. Mas são duas produções como mais de 20 anos de distância, e no intervalo disso a Rede Globo colocou na Malhação um jovem soropositivo trombando a testa com uma garota, e ela tomando coquetel antirretroviral. Absurdos, que mostram o longo caminho que precisamos trilhar, se isso foi ao ar em “Malhação – Seu Lugar no Mundo” que aconteceu em 2015-2016, nós em 2019 temos dever de falar de sexo, de falar quais os riscos existem e que jovens não precisam tomar um coquetel depois de uma trombada com um soropositivo, que jovens podem transar, que jovens podem querer não transar, que jovens precisam se proteger e falar do que gostam e o que não gostam, que jovens precisam saber que devemos lutar pelo direito a aborto seguro e legal. É urgente que retomemos essas pautas non diálogo com a juventude, para destruir as mentiras que antes eram só construídas pela mídia, agora se tornam plano de governo.
Sexo é importante, e muitas vezes é mais importante falar do que fazer, então não suprima suas dúvidas e falas desse assunto, essa é a educação sexual que esperamos que jovens tenham.