Por Dr. Martin Portner*
É possível fazer tanta coisa – e de forma eficaz – ao mesmo tempo? Sim, o processamento de pensamentos colaterais é moeda corrente nos labirintos do cérebro feminino.
Quando o britânico Daily Mirror publicou uma entrevista com um renomado expert em ciência do sono do país, a matéria provocou certa insônia que se espalhou entre os CEOs de grandes empresas do bloco europeu e dos EUA. O doutor Jim Horne disse, com base em pesquisas conduzidas por ele na Universidade Loughborough, que as mulheres necessitam de meia hora a mais de sono a cada noite.
O motivo dessa diferença em relação aos homens decorre, de acordo com o cientista, do fato que as mulheres utilizam mais seus neurônios durante a jornada diária e, dessa forma, precisam de um período maior de recuperação.
Nada disso seria surpresa para Ana Paula, que chega pontualmente no escritório 16 minutos depois das sete horas a cada manhã. Encontra seu notebook aberto e a secretária a postos. Ela é a CEO de uma distribuidora petrolífera no sul do país e inicia sua jornada com três planilhas na área de trabalho, todos os canais de e-mail corporativos, o editor de textos com relatórios detalhados e o navegador contendo várias janelas dos portais de notícias até os gráficos da Bovespa, NYSE e Nasdaq.
Enquanto ouve as primeiras informações da manhã pela secretária, ela disca o número de seu colaborador imediato no andar de cima, organiza mentalmente os planos para o jantar com um grupo de investidores leais e rabisca na agenda o lembrete para buscar dois vestidos que havia levado à laundry shop.
Perguntam os experts em neurociência: é possível fazer tudo isso – e de forma eficaz – ao mesmo tempo? Sim, o processamento de pensamentos colaterais é moeda corrente nos labirintos do cérebro feminino. “As mulheres precisam dormir, em média, 20 minutos mais do que os homens porque seu cérebro trabalha de forma mais extensa e precisa refazer-se de maneira mais completa”, explica Horne.
Trata-se de um tipo de cálculo que leva em conta a multilateralidade do trabalho dos neurônios cerebrais da mulher. Isso funciona da seguinte forma. O pensamento – ou a formação das ideias – depende de um trabalho colaborativo entre dezenas de milhares de neurônios. Eles se conectam começando pelo envio de impulsos elétricos pelo primeiro que, com a ajuda de um mensageiro químico, providencia para que este “salte” ao neurônio seguinte. Em uma fração de segundo, 50 mil neurônios estão conectados para gerar a ideia mental sobre “qual o valor da ação da empresa no mercado agora?”.
Pois bem, a organização bem sucedida de um evento que precisa dos neurônios pertencentes ao que se convencionou chamar de cérebro social— o que inclui estruturas como o córtex prefrontal, amígdala, giro do cíngulo, junção temporoparietal, o sistema de neurônios em espelho e o assim chamado fascículo uncinado – requer muito mais. Para aglutinar ideias em torno da reunião dos investidores da empresa no jantar semestral em sua casa, a articulação, execução e coordenação do evento exige atividade neuronal no sistema de neurônios social perto do número de planetas na galáxia.
Os tentáculos dos neurônios que fazem parte deste sistema são fisicamente mais longos e vão de um hemisfério do cérebro para outro e da zona mais interna para o córtex na faixa mais externa. Ativar estes neurônios requer maior arregimentação de insumos – oxigênio, glicose, estruturas internas dos neurônios, formas específicas de gordura – o que conduz a grande consumo de energia. E o sono é considerado agente reparador com dupla função: permite a recuperação da energia consumida e garante a fixação das ideias sociais nos arquivos de memória do hipocampo.
Ana Paula sai rapidamente do prédio da empresa e pede ao porteiro o favor de manobrar o carro. Ele responde argumentando ser a quarta vez na semana que ela evita manobrar o carro. Ela sabe que ele deseja ser colaborativo, mas contra-argumenta ser “difícil para meus neurônios da cabeça”. Sorrindo uma fileira de dentes brancos, ele aquiesce que sim. Vá entender.
*Martin Portner é Neurologista e Mestre em Neurociência pela Universidade de Oxford e especialista em Mindfulness. Há mais de 30 anos divide suas habilidades entre atendimentos clínicos e palestras, treinamentos e workshops sobre sabedoria, criatividade e mindfulness. www.martinportner.com.br