Dia desses voltei a assistir Grey’s Anatomy, e percebi que me incomodo com aqueles episódios em que Meredith pensa em uma pesquisa com um vírus para atacar um câncer, e ela e Derek trabalham nisso JUNTOS. Após insucessos seguidos da aplicação dessa fórmula, Derek culpa Meredith, inclusive de forma agressiva pela seu fracasso. No entanto, assim que eles têm sucesso na pesquisa, Derek muda, resolve pedi-la em casamento e querer comemorar com sua “amada”. Mas o que chama atenção é que na temporada seguinte devido a essa pesquisa, o médico se torna capa de uma publicação de sua área, contudo sem nem ao menos citar o nome da parceira de pesquisa e afetiva.
O “doutor bonitão” do seriado de Shonda, agiu como todo homem âncora, aquele que não incentiva sua emancipação e sucesso próprio, e que quando por seus méritos você tem resultados positivos, é o primeiro a se apropriar disso e te suga de uma forma, que você sequer consegue perceber que é errado, que está errado. E que isso não é amor.
No seriado, Derek chega inclusive a dizer para Meredith que ela é apenas uma interna, e que ele de fato é um médico de sucesso, por isso o nome dela não ser citado não seria um problema. Ela deveria lidar com isso e não querer mais do que merece: naquele momento, que é apenas uma interna.
Como assim?
Esta é a pergunta que todas nós deveríamos fazer: Como pessoas que dizem nos amar, conseguem nos colocar tão para baixo e conviver com isso sem problemas?
Inclusive, com esse discurso, ele não só é egoísta, ele evidentemente é afetivamente abusivo. Já ouviu falar de bropriating?
Bropriating é quando um homem se apropria da ideia de uma mulher, após ela ter dado essa opinião, ter sido ignorada e leva o prestígio por isso.
Veja bem, isso é muito comum em empresas e se associa o “bropriating” a reuniões, mas sabemos que esse processo acontece também em outras ocasiões para além do mercado de trabalho empresarial. Vivi muito “bropriating” na universidade e até mesmo dentro de casa. A cultura machista coloca que mulheres não devem dar a palavra final e historicamente a gente associa decisões, até dentro do nosso campo doméstico, a homens. Não acreditamos que as palavras ditas por mulheres, são de alguém conhecedora sobre o assunto, mesmo que muitas vezes tenhamos até phd no tema.
Não se pressupõe que as ideias de homens podem vir de outra pessoa, ou até mesmo de mais de uma pessoa, pois a sociedade coloca o homem, em especial o branco, num patamar tão elevado que se acredita que eles podem e fazem tudo, e que eles sãos capazes e sabem tudo.
Triste ver como nós, mulheres, somos jogadas para baixo na ausência da construção da nossa confiança quando naturalizamos essas condutas. Achamos que não tem nada demais os parceiros criadores de ideias que fazem fama as nossas custas, e que muitas vezes usam essa fama para nos oprimir ainda mais. E se apontamos a incoerência disso, agem como se fossem vítimas. Afinal, homens socialmente agem como os donos da verdade, querendo muitas vezes te explicar sobre assuntos que você domina plenamente.
Mesmo dentro do próprio feminismo eu vejo isso. E como consequência temos uma porcentagem grande mulheres que não confiam em si, e que por isso não pleiteiam ocupar alguns espaços de poder. Eu sempre digo que nós mulheres, em geral, precisamos ter a confiança de um homem medíocre. Pois mesmo na mediocridade eles nunca se silenciam.
Já nós mulheres, nos silenciamos muitas vezes com medo que nossas ideias sejam apropriadas e nosso protagonismo seja apagado, pois é isso que o machismo faz.
Usei o caso de Meredith, pois Grey’s Anatomy se estende por anos e episódios, em que Meredith venera Derek, está sempre pronta para ser sua parceira, age recorrentemente como sendo sua companheira, mas ele em inúmeras vezes mostra seu egoísmo e como mesmo ela sendo boa, não aceitaria vê-la sendo melhor que ele. Alguns outros personagens dessa série também deixam isso bem claro, a relação de Burke com Cristina por mais que muita gente tenha gostado, evidentemente só funcionava para o parceiro homem enquanto ele fosse o tutor dela.
É notável como homens na vida real se comportam assim, só suportando relacionamentos com mulheres que nos seus campos de trabalho, salários e reconhecimento se mostram abaixo deles. E caso as parceiras comecem a se destacar, esses acabam sendo os primeiros a se comportarem como âncoras, sugando sua autoestima, confiança e saúde física e mental. Falar de saúde mental é um ponto tão importante, pois ainda estamos nos autoboicotando! E muito!
Vejo que muitas mulheres sofrem da chamada Síndrome do Impostor por esses motivos aqui citados, basicamente elas não acreditam que merecem ocupar os espaços que ocupam, se sentindo sempre impostoras dos próprios méritos. Incrível como isso está associado a como somos puxadas para baixo. Quando racializamos isso, se torna ainda mais distante esse abismo, a palavra de mulheres negras tende a ser ignorada totalmente, pois nossas vidas são socialmente negligenciadas. Vejo que para uma mulher, pedir um aumento é um percurso muito maior que um homem, para uma mulher ter confiança de expor sua opinião sobre determinado assunto, existe um caminho muito mais complexo do que para um homem.
Ainda vivemos numa sociedade que diz que a opinião de um homem branco é superior a qualquer coisa, muitas vezes negando inclusive dados. Nas redes vejo como muitos homens brancos acreditam que seu achismo sobre uma situação sistêmica é superior aos nossos dados e fatos.
E quando conseguimos…
Infelizmente muitas vezes quando conseguimos, na chegada temos aqueles que amamos colocando o pé para que a gente caia, pois para muitos que dizem nos amar, o nosso sucesso só pode vir depois do deles. Para isso, eles não se incomodam em dizer que nos amam, enquanto apagam os nossos nomes das nossas próprias ideias, nos desmotivam e duvidam da nossa capacidade.
Importante que a gente comece a perceber homens âncoras e descobrir que puxando a gente pra baixo já basta toda a estrutura machista, não precisamos estar perto de amigos, parentes e parceiros que não sabem lidar com nosso sucesso.