Nascer sem privilégios, numa sociedade machista e num país que lidera o ranking de descaso com as meninas, com certeza é nascer para travar batalhas.  Nascer para lutar. Lutar contra o preconceito de uma sociedade que prefere levantar muros e blindar carros, ao invés de se mobilizar para transformar a situação do país. Lutar contra a falta de recursos, de educação, de saúde, de tudo o que te impede de ocupar um espaço que deveria ser seu por direito.  A maioria das meninas de nosso país está em situação de descaso, de abandono, de violência, de medo. Medo de ter nascido aonde nasceram – fora dos condomínios de luxo e das famílias tradicionais com brasão.

O estudo Every Last Girl, da ONG Save The Children divulgou que o Brasil é um dos piores países do mundo para as meninas, se igualando a países como Guatemala, Nova Guinea, Sudão e Burundi. Estamos em 102ª posição dos 144 países pesquisados. As meninas estão casando na infância e adolescência, engravidando precocemente e sofrendo abusos de todo o tipo. AS MENINAS BRASILEIRAS NÃO TÊM OPORTUNIDADES.

Eu nasci sem privilégios. Queria ser jornalista. Queria realizar meus planos e ajudar minha mãe.

Comecei empreender cedo com ela – vendíamos de tudo para a vizinhança. Precisávamos fazer acontecer com o que tínhamos nas mãos. E fazíamos. Vencemos juntas. Eu poderia estar brincando ainda mais, eu poderia estar fazendo aulas de inglês, eu poderia estar numa escolinha aprendendo a ser princesa, mas precisava trabalhar com a realidade e ela não era um conto de fadas. Assim como a realidade de milhões de meninas do Brasil não é. E precisamos estar cientes disso. Precisamos fazer com que as meninas tenham tempo para serem meninas e oportunidades iguais para realizarem seus planos.

Hoje sou uma jornalista. Depois de gerenciar marcas em grandes empresas fundei o Plano Feminino e ocupei espaços de fala importantes.  Nunca desisti de lutar. Foi duro. Minhas costas doem, meu corpo sente. Sente cada luta que para ser vencida precisou ser DEZ VEZES MAIOR do que uma mulher que nasceu frequentando as melhores escolas e lugares de privilégio da sociedade.  E chegando do lado de cá – espaços de privilégios que nunca são frequentados por meninas como eu fui um dia – decidi olhar para trás. Decidi voltar para a periferia e contar para elas que de alguma forma era possível. Mesmo numa sociedade que fingi que não existimos ou que está tudo bem – somos todas princesas. (Nos poupem.)

A tranquilidade no olhar de quem nasceu para realizar seus planos e quebrar padrões. (Foto: Raquel Toth)
A tranquilidade no olhar de quem nasceu para realizar seus planos e quebrar padrões. (Foto: Raquel Toth)

Nasceu  o PLANO DE MENINA, um projeto para dar voz e oportunidades às meninas das comunidades do Brasil. O primeiro ano está sendo realizado em São Paulo, nas comunidades do Capão Redondo e Grajaú.  E a partir de 2017 estaremos em outras cidades e Estados, com novas formas de disseminar protagonismo, consciência e pertencimento às meninas. O objetivo do projeto é encorajar e dar oportunidades a cada uma das meninas que estiverem com a gente. Criar ponte, fazer conexões com propósito.

Vida real, luta, resistência e vitória.

 

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O projeto conta com mentoras que dão aulas sobre autoestima, liderança, corpo e pertencimento,  feminismo, racismo, políticas, entre outras disciplinas que são ministradas por meio de oficinas e aulas dinâmicas por mulheres incríveis: juízas, jornalistas, advogadas, publicitárias, lideres comunitárias, economistas, empreendedoras e com a ex-consulesa da França e ativista negra –  Alexandra Loras – que é embaixadora da causa e sempre me lembra que: “Essas meninas não tinham planos e as próprias famílias – sem acreditar que era possível – não acreditavam em seus sonhos. “Você já viu uma arquiteta negra? Então não é para gente!”. Conseguir apresentar uma arquiteta de sucesso para uma menina da favela é um passo. Essa arquiteta se tornar mentora desta menina é outro passo. Ajudar ela a conseguir uma bolsa para estudar arquitetura é outro passo.  Ajudá-la a conseguir um estágio é outro passo. Fé é pisar no primeiro degrau, mesmo que você não veja a escada inteira, nosso Plano de Menina não precisa saber aonde vai chegar, estamos pisando no primeiro degrau.” Um formado por amigas e mulheres que acreditaram em mim e sobretudo, na capacidade que temos de transformar juntas a realidade de milhares de meninas do nosso país.


O PLANO DE UMA MENINA PODE MUDAR O MUNDO

Apresentei no TedxSãoPaulo deste ano o Plano de Menina e algumas pesquisas que mostram que o PIB de um país pode crescer a partir do momento em que meninas forem empoderadas e realizarem seus planos. Empoderar uma menina significa ajudar o país economicamente. Significa ajudar a combater o machismo e promover a igualdade de gênero. Significa avançar como país e sociedade justa para todos. Significa desconstruir estereótipos.

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Por tudo o que temos passado como meninas neste país e por um futuro de mulheres autossuficientes, precisamos entender o que realmente precisamos para as nossas meninas. E tudo o que elas menos precisam é de mais alienação. Tudo o que elas menos precisam
é de ideias que reforçam padrões. É de histórias de princesas que são salvas por seus príncipes encantados. Nossas meninas precisam de oportunidades iguais, de respeito, de educação e valorização como cidadãs que são, capazes de transformar as próximas gerações e o mundo em um lugar melhor. Um lugar com gente real. Um lugar com mulheres fortes e capazes de serem o que quiserem ser. Independentes e donas de si mesmas. Donas de suas histórias.  É isso que estamos construindo por aqui:

“Eu amei o projeto! Me vi muito nas meninas ali quando mais jovem. Ter quem e o que te impulsione para ser uma pessoa melhor quando se vem da periferia faz toda a diferença. A troca com as outras garotas, o amadurecer em coletivo e a quebra de paradigmas assim como a construção de novos horizontes chega para ajudá-las a se olharem como pessoas capazes. Tbm fico muito feliz em ver a dedicação das mulheres que fazem parte dessa rede para que esse projeto evolua e atinja um maior número de meninas que possuem sonhos ocultados pela carga de responsabilidade que carregam desde cedo.”   Mel Duarte – escritora e poetisa

Da esquerda para direita: Amanda. Marina, Camila, Vanessa, Myriane e Flávia Daniela com a poetisa Mel Duarte ao centro no dia de poesia e integração entre Capão e Grajaú.
Da esquerda para direita: Amanda. Marina, Camila, Vanessa, Myriane, Sofia e Flávia Daniela com a poetisa Mel Duarte ao centro no dia de poesia e integração entre Capão e Grajaú.


“Não precisamos de uma escola ensinando como nos comportar igual uma “bela, recatada e do lar” e sim como protagonistas de nossas vidas.  Aprendo isso no Plano de Menina e entendi que não preciso ser o que e não quiser ser.”

Amanda Rodrigues Guimarães, 15 anos, aluna do 1. ano do ensino médio.

 

“Uma menina não precisa ser uma princesa para agradar a sociedade. Ela tem que ser uma princesa por se sentir especial do jeito que é. No Plano de Menina eu aprendo a me valorizar mais e a ser uma garota que acredita em mim e meus planos. Aprendi que posso e vou ser o que eu quiser. Aprendi que tenho que me amar independente de tudo e ter autoestima lá em cima.”
Vanessa Soares Rocha, 18 anos

 

“Isso é só mais uma das coisas que a sociedade impõe – que a menina tem de estar no padrão princesinha e vestir rosa para ser aceita. Com o Plano de Menina a gente aprende que o importante é estarmos bem com a gente mesma.”
Flávia Daniela, 16 anos, 2 ano do ensino médio.

Não precisa de textão de Facebook, nem defesa de pode – não pode. A fala de meninas que vivem o dia-a-dia longe de privilégios basta. Cada dia que consideramos uma ideia misógina e paternalista como opção, validamos a perpetuação do machismo instalado em nossa sociedade e alimentamos a desigualdade de gênero. Por favor, não seja esta pessoa. Vamos juntos construir um futuro de meninas que podem ser o que elas quiserem, sem estarem presas em convenções que insistem em nos manter em cárcere privado.

Quer ser mentora do Plano de Menina? Vem aqui falar com a gente!

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