Quando você pensa em grandes nomes da direção cinematográfica qual é o primeiro que vem à cabeça? E o segundo? O terceiro? O décimo? Quantos nomes eram femininos?
Há duas semanas o Canal Philos, em parceira com o Grupo Estação, lançou um projeto em que quatro documentários serão exibidos gratuitamente em 4 sessões distintas, contendo um debate aberto ao público logo em seguida. Para estreia da parceira o filme “E a Mulher Criou Hollywood” foi exibido em Botafogo (Rio de Janeiro).
Para minha surpresa e para maioria dos espectadores (diga-se de passagem, maioria esmagadora de mulheres) a Hollywood que conhecemos hoje em dia só existe porque as mulheres a criaram. E nunca nos ensinaram nem metade disso.
O filme/documentário dirigido pelas irmãs francesas Julia Kuperberg e Clara Kuperberg exibido em 2016 no Festival de Cannes e com sua primeira projeção brasileira no Festival do Rio, em outubro do ano passado, explica justamente como e por que as mulheres foram perdendo espaço no cinema ao longo das décadas.
A codiretora Clara Kuperberg conta que ela e a irmã trabalhavam em uma pesquisa para outro filme quando elas se depararam com a história.
“Ficamos estarrecidas porque nunca tínhamos ouvido falar daquelas mulheres pioneiras. Nós estudamos bastante cinema, já dirigimos mais de 30 documentários sobre a Era de Ouro do cinema americano, mas era a primeira vez que ouvíamos os nomes de Frances Marion e Lois Weber, por exemplo”, afirma Clara.
Juntas, as diretoras já lançaram documentários como This is Orson Welles e John Ford et Monument Valley. Hoje, de acordo com as diretoras, apenas 8% de blockbusters e 20% de filmes independentes feitos nos Estados Unidos são dirigidos por mulheres. O que ninguém se lembra – ou talvez queira que seja lembrado – é que até 1925, simplesmente metade dos filmes eram de responsabilidade feminina.
Frances Marion foi a primeira mulher a ganhar um Oscar de roteiro, por O presídio (1930) – ela repetiu o feito dois anos depois, por O campeão, um bicampeonato que até então nenhum roteirista homem havia conseguido. Lois Weber foi uma das diretoras mais bem-sucedidas dos primórdios de Hollywood, com mais de 130 produções no currículo, entre eles o polêmico Hyprocrites (1915), que mostrou cenas de um então inédito nu frontal feminino. Lois também foi a primeira produtora a ter um estúdio com seu nome.
O documentário destaca uma série de diretoras, roteiristas, produtoras e atrizes que ajudaram a dar cara a Hollywood. Certamente a mais famosa do grupo, Mary Pickford se juntou, em 1919, a D. W. Griffith, Charlie Chaplin e Douglas Fairbanks, para fundar a United Artists, um dos mais celebrados estúdios de todos os tempos.
A desigualdade que vemos e conhecemos muito bem hoje em dia começou em 1929. A Grande Depressão deixa milhares de desamparados pelos EUA. Os grandes banqueiros, comerciantes, empresários precisam achar novos rumos para suas vidas ou estarão fadados à falência. Havia um nicho até então não explorado por estes poderosos, a produção cinematográfica, que nem mesmo era considerada uma profissão.
As pessoas que estavam nesse ramo eram mulheres, negros, judeus, ou seja, toda população que era excluída da cadeia econômica da época. As mulheres tinham conquistado o direito ao voto há poucos anos e os únicos empregos que conseguiam era de secretária ou recepcionista.
A falta de interesse por partes destes homens até então permitiu a ascensão de tantas diretoras, roteiristas, editoras. Com a quebra da Bolsa de Valores de New York e a estreia do “O Cantor de Jazz” (1927) de Alan Crosland e Gordon Hollingshead, o primeiro falado da história (na verdade, o primeiro falado foi dirigido por Alice Guy, mas este é o que todos têm conhecimento, como uma memória coletiva), estes mesmos homens perceberam uma oportunidade em lucrar (e muito) com esse novo negócio.
As mulheres então mudam de papel. Saem de trás das câmeras e tornam-se divas, deusas do cinema. A objetificação destas nas grandes telas tem pontapé inicial neste momento. Somem as Lois Weber, as Mary Pickford, e surgem as Elizabeth Taylor, Bette Davis, Audrey Hepburn, Marylin Monroe, entre tantas outros nomes que não temos a menor dificuldade em lembrar.
As irmãs Kuperberg põem em questão as lutas que deram-se logo em seguida. Na década de 1930, por exemplo, Dorothy Azner foi a única mulher de Hollywood a dirigir filmes, como Felicidade de mentira (1937). No início dos anos 1950, as reuniões do Sindicato de Diretores era aberta por um apresentador com a frase “Boa noite, senhores e senhora Lupino”, porque Ida Lupino, de O bígamo (1953), era a única diretora presente.
Percebe-se como foi árdua a luta até que Kathryn Bigelow recebesse o primeiro Oscar de direção para uma mulher, em 2010, por “Guerra ao Terror”.
Para encerrar o documentário, uma entrevista de 1980 onde um jornalista pergunta a Sherry Lansing, como ela fazia para manter a ternura a feminilidade e agir com dureza quando necessário. A resposta da então diretora da Fox Studios e posteriormente presidente da Paramout é brilhante:
“O problema da sua pergunta é a suposição de que uma mulher não pode ser dura”.
Vale lembrar que, assim como as irmãs Kuperberg, há diversas outras diretoras, roteiristas, entre outros cargos dentro da produção audiovisual no Brasil e no mundo lutando pela igualdade entre homens e mulheres no cinema. A partir da iniciativa do grupo Mulheres do Audiovisual Brasil no dia 5 de abril de 2017, aconteceu o lançamento do SELO BECHDEL, em São Paulo, com a presença da sueca Ellen Tejle. Este ano o IMDb, plataforma internacional de informações sobre audiovisual, passou a utilizar o selo em sua base de dados.
Este é um passo na luta pela igualdade que é benéfica não somente para as mulheres, mas para toda a sociedade.