Toda família tem seus personagens peculiares. Na minha, por acaso, exceção é quem não é, mas a vó Marlene se destaca por um talento especial: destruir clichês. Nos Natais, os diálogos seguiam mais ou menos assim:
“Você ainda está namorando, minha filha?”, ela perguntava. “Tô, vó”, eu respondia. “Ai, menina, termina logo esse namoro. Vai viver”, ela devolvia.
Em vez de me mandar arrumar namorado, vovó me pedia para largar o meu.
Até que um dia larguei. Estive em uma relação por 11 anos. Tenho 31. É desnecessário – mas inevitável – dizer que a pessoa que entrou nesse relacionamento aos 19 não é a mesma que saiu dele aos 30. O que é uma coisa boa, claro.
Acontece que o mundo lá fora não é como a minha vó. E o mundo aqui dentro também não. A gente cresce escutando algumas verdades absolutas difíceis de engolir, mas engolimos. As melhores são a do Grande Amor Romântico – você nunca estará completa sem ele – e, a pior, se uma mulher está solteira, não é por escolha dela – tem alguma coisa errada aí, gente. Neguei toda a vida toda essas premissas, só que elas eram inerentes à minha realidade.
Eu não concordava, mas sentia.
Quando rompi com o namorado, tive que lidar com a questão óbvia: vou ficar sozinha. Como é que vai ser isso? Como é não se ocupar do outro e só de si mesma? Como, depois de tantos anos dividindo minha intimidade com uma única pessoa, vou abrir espaço para um estranho? Para quem não tem paciência – como eu –, essas perguntas são altamente angustiantes, porque levam muito tempo para serem respondidas.
Algum tempo depois, em uma viagem por Budapeste, conversei por horas com um húngaro. Ele, com todas as diferenças culturais que aparentemente nos separavam, disse algo que me soou muito familiar:
“Prefiro ter alguém a estar só pra não precisar lidar todos os dias com o vazio. Além disso, é uma parte da vida que se resolve, aí você consegue focar nas outras”.
Engraçado como ele deu nomes muito precisos a sentimentos que foram meus por muito tempo. Mas, àquela altura, eu já era a melhor amiga do meu vazio e me sentia calejada desse papo de aspectos práticos-econômicos-confortáveis de um relacionamento – sabia que aventurar-se pelo desconhecido tinha um alto preço e eu já estava preparada para pagá-lo.
A coisa toda é que, além das conjecturas, revoluções e transformações internas, tive que lidar com o que estava à minha volta. Depois de me separar da pessoa que mais se aproximou de mim na última década, já não sabia mais enxergar as fronteiras. Relações de todas as naturezas que me cercavam mudaram bastante e a sensação que fiquei é que as pessoas se sentiam muito mais à vontade para invadir o meu espaço.
Comigo ainda, que sou ferozmente territorialista com o meu quadrado.
Naturalmente, pesei a mão dos dois lados: por um tempo, me afastei e afastei a todos. Fiquei fechada, amuralhada, ensimesmada. Percebo hoje que essa foi uma fase importante, um reencontro necessário comigo mesma, mesmo que eu tenha ido muito fundo na solidão voluntária. Quando relaxei, cedi demais. E dá-lhe sujeito se aboletando no meu sofá emocional.
De todas as batalhas que você trava ao decidir seguir sozinha, está a luta por si mesma, por poder ser mulher e livre, dona das suas decisões, dos seus desejos. Foi um processo de aprendizado – que ainda acontece, vale o adendo – dizer os nãos e os sins que eu queria dizer, ver claramente quais eram os meus limites e mostrá-los aos outros e, o melhor de todos, parar – mesmo – de me importar com opiniões que não pedi.
Entendi, enfim, que equílibrio é sabedoria e, como tudo o que faz crescer, vem com o tempo. Assim como o conforto de ser quem se é, independentemente do que te mandam seguir lá fora. Assim como a certeza de querer estar só. Por escolha, por vontade, por momento. Porque sim.
Vó, você sempre esteve certa, estava na hora de eu começar a viver. Só precisava me dar conta de mim mesma.