Estava em casa trabalhando, escrevendo colunas, respondendo e-mails, bateu uma fominha e ainda ia demorar pra conseguir parar pro almoço. Abri a geladeira e montei uma porçãozinha de petisco: umas azeitonas pretas, umas verdes e um restinho de picles picadinho. Ao olhar pro pote, bateu uma saudade extrema do meu pai. Ele sempre comia picles e azeitona enquanto tomava cerveja vendo o Corinthians jogar.
Ele morreu quando eu tinha 12 anos. Aos 12 eu ainda era uma criançona, que queria brincar de boneca. A morte do meu pai trouxe um pouco a morte dessa minha inocência. É como se antes disso não houvesses dias chuvosos, só dias de chuva, que não eram ruins: eram apenas dias com chuva. Com a morte dele veio uma maturidade súbita, uma consciência de finitude que machuca: se meu pai, aquele cara fortão que manjava de todos os paranauês, podia morrer, o que seria de mim e do resto da humanidade?
O pai que tenho na memória era um herói: até os 12 anos ele ainda não havia falhado comigo, nunca havia me desapontado. Era um poço de bom humor, uma pessoa sempre disposta a ajudar o próximo, que me dava muitos livros pra ler, que me ensinava a cantar Beatles, que tentou me ensinar a tocar um instrumento musical, qualquer um, e isso talvez tenha sido a maior falha dele, porque eu fui completamente incapaz de aprender. E aí ele deixou pra lá e eu só dançava quando ele e os amigos tocavam, e tava tudo bem.
E aí ele se foi.
Minha mãe foi muito, muito forte, e me ajudou a passar por tudo isso. E eu aprendi muito com a perda. Me marcou demais, é claro. Até hoje tenho pavor de perder pessoas que amo, de maneira quase irracional. Até hoje sonho com ele de vez em quando ou vem a recordação escondida numa porção de picles. A saudade não passa, acho que nunca vai passar de vez. A gente só aprende a conviver com ela aqui dentro do peito. Esse artigo do Buzzfeed reflete bem o que se sente ao perder um dos pais muito jovem: 7 coisas que ninguém te conta sobre perder um dos pais na infância.
E uma das coisas que ajuda é falar sobre ele. É falar dele vivo, perguntar pra quem o conheceu, é falar da perda e de como é crescer sem ter um pai ao lado porque a vida o levou. Um site incrível que tem falado muito sobre o assunto é o Vamos Falar Sobre o Luto, projeto que busca lidar melhor com a morte dos nossos entes queridos.
Falar sobre a morte e desmistificar esse momento talvez seja a maneira mais bonita de celebrar a vida. Uns partem, nós ficamos, com as lembranças guardadas numa foto, no cheiro de um perfume ou de um prato favorito, mas antes de tudo, no coração.
Olá, Gabi!
Sinto muito pela perda de seu pai. Trabalho em uma empresa do ramo funerário e temos de lidar com o assunto “morte” diariamente. A parte boa é que nos acostumamos com a ideia da morte e acabamos vendo isso de uma forma mais natural. O sofrimento é sempre grande, mas a maneira como cada um lida com isso é muito particular. No finalzinho de 2015 iniciamos um projeto para incentivar as pessoas a falarem sobre sua vivência a respeito do luto. Se tiver interesse em conhecer, tem algumas histórias no site http://www.projetoatodeamor.com.br. Um abraço!
Muito bom o tema é um assunto que exige muita maturidades e fé para enfrentar, perdi meu pai dia 06/03 e vivencio esta dor no momento.
Esqueci de me identificar meu nome é Arlei (moro em SP)