Estava em casa trabalhando, escrevendo colunas, respondendo e-mails, bateu uma fominha e ainda ia demorar pra conseguir parar pro almoço. Abri a geladeira e montei uma porçãozinha de petisco: umas azeitonas pretas, umas verdes e um restinho de picles picadinho. Ao olhar pro pote, bateu uma saudade extrema do meu pai. Ele sempre comia picles e azeitona enquanto tomava cerveja vendo o Corinthians jogar.

Ele morreu quando eu tinha 12 anos. Aos 12 eu ainda era uma criançona, que queria brincar de boneca. A morte do meu pai trouxe um pouco a morte dessa minha inocência. É como se antes disso não houvesses dias chuvosos, só dias de chuva, que não eram ruins: eram apenas dias com chuva. Com a morte dele veio uma maturidade súbita, uma consciência de finitude que machuca: se meu pai, aquele cara fortão que manjava de todos os paranauês, podia morrer, o que seria de mim e do resto da humanidade?  

 

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Meu pai era um tonto, né? ☺

 

O pai que tenho na memória era um herói: até os 12 anos ele ainda não havia falhado comigo, nunca havia me desapontado. Era um poço de bom humor, uma pessoa sempre disposta a ajudar o próximo, que me dava muitos livros pra ler, que me ensinava a cantar Beatles, que tentou me ensinar a tocar um instrumento musical, qualquer um, e isso talvez tenha sido a maior falha dele, porque eu fui completamente incapaz de aprender. E aí ele deixou pra lá e eu só dançava quando ele e os amigos tocavam, e tava tudo bem.

E aí ele se foi.

 

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Parece um hipster, mas é meu pai nos anos 80.

 

Minha mãe foi muito, muito forte, e me ajudou a passar por tudo isso. E eu aprendi muito com a perda. Me marcou demais, é claro. Até hoje tenho pavor de perder pessoas que amo, de maneira quase irracional. Até hoje sonho com ele de vez em quando ou vem a recordação escondida numa porção de picles.  A saudade não passa, acho que nunca vai passar de vez. A gente só aprende a conviver com ela aqui dentro do peito. Esse artigo do Buzzfeed reflete bem o que se sente ao perder um dos pais muito jovem:  7 coisas que ninguém te conta sobre perder um dos pais na infância.
E uma das coisas que ajuda é falar sobre ele. É falar dele vivo, perguntar pra quem o conheceu, é falar da perda e de como é crescer sem ter um pai ao lado porque a vida o levou. Um site incrível que tem falado muito sobre o assunto é o Vamos Falar Sobre o Luto, projeto que busca lidar melhor com a morte dos nossos entes queridos.

Falar sobre a morte e desmistificar esse momento talvez seja a maneira mais bonita de celebrar a vida. Uns partem, nós ficamos, com as lembranças guardadas numa foto, no cheiro de um perfume ou de um prato favorito, mas antes de tudo, no coração.

 

 

5 thoughts on “Por que falar sobre a morte de alguém que amamos é tão difícil?

  1. Jamyle says:

    Olá, Gabi!
    Sinto muito pela perda de seu pai. Trabalho em uma empresa do ramo funerário e temos de lidar com o assunto “morte” diariamente. A parte boa é que nos acostumamos com a ideia da morte e acabamos vendo isso de uma forma mais natural. O sofrimento é sempre grande, mas a maneira como cada um lida com isso é muito particular. No finalzinho de 2015 iniciamos um projeto para incentivar as pessoas a falarem sobre sua vivência a respeito do luto. Se tiver interesse em conhecer, tem algumas histórias no site http://www.projetoatodeamor.com.br. Um abraço!

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