Ellen Page gravou um seriado chamado Gaycation, no qual ela visita vários países e fala sobre como é a vida dos gays em cada um deles . O segundo episódio foi no Brasil. Filmado em grande parte no Rio, em pleno carnaval, o episódio tem momentos divertidos, outros tocantes. Eu dei risada da minúscula Ellen, parecendo uma criança, colocando um enorme acessório cheio de penas e lantejoulas nos ombros e tentando aprender a sambar. E é delicioso ver como ela e o outro apresentador, Ian, se sentem à vontade nas escolas de samba, ou na praia em Ipanema, ou perdendo a timidez depois de umas cervejinhas no boteco e caindo no funk.
Mas há também alguns momentos positivamente assustadores e um desses certamente é quando ela entrevista ninguém menos que Jair Bolsonaro, o ultraconservador deputado do PP-RJ. Bolsonaro defende a família tradicional formada por marido, mulher e filhos. Ele declara que acha que homossexuais são doentes e anormais, ele afirma que pais de filhos gays deveriam bater em seus filhos, “passar um corretivo” neles para que “se curem”. O vídeo você pode conferir aqui.
Precisamos admitir uma coisa: o deputado é coerente. Ele fala esse tipo de absurdo com a cara mais normal do mundo, como se estivesse dizendo que o céu é azul enquanto afirma que gays são uma desgraça. Ele sorri, ele mantém a expressão serena.
Não sei como ele dorme à noite.
Ellen pergunta se o deputado acha que os pais dela deveriam ter batido nela na infância. Ele não responde diretamente, desvia o assunto. Faz piada. É vergonhoso ver como ele foge da pergunta. Imagino que ele de alguma maneira saiba que é errado dizer pra uma jovem lésbica que ela deveria ter sido espancada na infância em frente às câmeras. Ao invés de responder, ele diz pra ela que ela é bonita, com um sorriso.
Ele também diz que quando ele era mais jovem não tinha tantos gays. E que quando uma criança “normal” começa a andar com pessoas com “certos comportamentos” ela vai “praticar” esses comportamentos.
Ellen sai da entrevista perturbada. Eu também fico perturbada pensando que em meu país existem pessoas que elegem o Bolsonaro. Será que essas pessoas concordam que gays deveriam ser espancados? Que são anormais? Que ser gay é intrinsecamente errado? Eu tenho inúmeros amigos gays e lésbicas. Nunca me senti ofendida ou ameaçada pela sexualidade deles. Nenhuma amiga ou conhecida lésbica jamais me assediou, ou tentou me cantar. Por que a vida deles afetaria a minha vida ou a de qualquer outra pessoa?
Eu como brasileira sinto vergonha ao ver Bolsonaro falando essas coisas. E sinto tristeza ao ver números que apontam a enorme quantidade de assassinatos de gays, lésbicas e transgêneros que ocorrem no Brasil. Sob o nosso manto de país inclusivo e libertário, escondemos o ranço preconceituoso que acaba mostrando a cara através de homens como Bolsonaro. Sem a máscara, fica claro que a realidade é muito mais feia.