As prévias para a nomeação de quem será candidato(a) à presidência dos Estados Unidos conta, para a corrida de 2016, com duas candidatas: Hillary Clinton, do Partido Democrata, e Carly Fiorina, do Partido Republicano.
Clinton tem um histórico que se identifica com o Partido Democrata: passou pelo movimento estudantil propôs reforma no sistema de saúde e tem pautas mais “à esquerda”. Fiorina, por seu turno, é uma executiva de sucesso, tendo liderado a Hewlett Packard por anos e tem uma agenda mais “à direita”. Nas prévias concorrem duas mulheres e seis homens.
Há quem aposte que a eleição de uma candidata mulher seja uma demonstração de avanços democráticos no país, muito embora boa parte da América Latina – Brasil, Argentina e Chile – tenha elegido mulheres presidentas antes que os EUA sem necessariamente trazer em seu bojo avanços relativos mais substantivos em relação à equidade de gênero em comparação com gestões nas quais um homem esteve à frente da nação.
Pepe Mujica com sua descriminalização do aborto que o diga. Uma mulher como presidente é inegavelmente importante, mas o buraco é mais embaixo. Por exemplo: as leis que contribuem com a equidade de gênero passam também pelo Poder Legislativo que, no caso brasileiro, tem pouquíssimxs representantxs de outros gêneros que não o masculino, branco, heterossexual.
Com efeito, o Brasil piorou seu desempenho no ranking de desigualdade de gênero da Organização das Nações Unidas (ONU). Com relação às eleições estadunidenses e para além dos temas que envolvem os espectros políticos que as candidatas representam, o que elas têm em comum? O machismo que as ronda.
Quando as roupas parecem mais importantes que as propostas
Foi em um desses eventos de entrega de prêmios cinematográficos para a indústria hollywoodiana que Cate Blanchett desceu sua cabeça próxima aos pés para pegar de supetão um cinegrafista e perguntar: “você faz isso com os homens”? Clinton fez a mesma pergunta em uma entrevista, quando perguntada sobre o designer de suas roupas e Fiorina teve de lidar com comentário do tipo “eu nunca me deparei com uma candidata presidencial que tivesse unhas polidas”.
Aparentemente unhas polidas e designer de roupas são mais temas mais importantes que os rumos econômicos do país ou da política externa quando se trata de uma entrevistada.
Quando o aspecto físico parece mais importante que a agenda presidencial
Dificilmente alguém lembrará quais eram as propostas de Sarah Palin – candidata republicana – quando concorria às eleições presidenciais. Suas pernas, contudo, fazem parte de uma imagem, fomentada pelos meios de comunicação, que resta no imaginário coletivo.
Não é incomum, após o visível abatimento de Dilma em épocas recentes, a referência à sua magreza e não ao aumento da fragilidade de sua imagem. Não são novas as referências à (falta de) beleza de Hillary e Fiorina, ainda que a última seja relativamente nova à mídia e, portanto, não tenha tido a sua imagem tão explorada.
A mensagem embutida nessa referência é clara: a mulher existe para servir aos olhos e não à política; seu lugar verdadeiro é em um comercial de cerveja e objetificada, não como líder de uma nação.
Quando as candidatas desafiam ou sustentam os ideais de masculinidade e feminilidade
Amplamente sabido, Hilary é esposa de Bill Clinton. A ela cabe uma imagem de mulher forte, mas ainda assim feminina: a doce e forte esposa que acompanhou seu esposo, inclusive em momento de traição. À Hillary restou o estigma de mulher traída, à Mônica de mulher traidora. Bill Clinton? Bem, para além de constrangimentos à sua figura pública, provavelmente a imagem de garanhão tenha prevalecido. Fiorina, porque CEO de uma grande empresa, está ligada à imagem de “agressividade feia”.
Estes exemplos ilustram que não podemos entender a democracia apenas em termos engessados e formais, via alternância de poder e a representação mecânica de uma mulher na presidência de um país. A democracia, em sentido amplo, requer também liberdades relativas à sexualidade e à identidade de gênero, à igualdade de classe, de raça… de gênero.
Até o final das eleições, ainda veremos grandes gaps relativos a esta democracia.
Contribuiu: Katiuscia Moreno Galhera – Doutoranda em Ciência Política (UNICAMP).