“Ensaio sobre a Cegueira” é um livro aclamado de José Saramago, que em 2008 foi adaptado para o cinema pelo diretor brasileiro Fernando Meirelles. Resumidamente, a obra fala sobre uma cegueira que, aos poucos, vai acometendo toda a humanidade, com exceção da Esposa de um médico. A cegueira é tão forte que se espalha pelo mundo inteiro e somente ela, a Esposa, permanece ilesa.

Com isso, ela presencia todas as atrocidades e crueldades que as pessoas cometem devido ao desespero por estarem cegas, inclusive a famosa cena do estupro coletivo.

Muito se discute sobre os aspectos morais e éticos desta obra de Saramago, e são discussões extremamente relevantes. Porém, o objetivo aqui é olhar com atenção para a figura da mulher e do feminino que foi construída nesta obra.

As personagens desta obra não têm nomes próprios e são referenciadas pelo seu papel no enredo. Assim, uma das figuras centrais é o Médico. A princípio, a Esposa surge com uma importância de coadjuvante, sendo a Esposa do Médico. Suas atitudes estão condicionadas, de certa forma, a ele sugerindo, no início da trama, uma codependência dela ao seu marido. E, convenhamos, no dia a dia podemos observar diversas situações nas quais as mulheres colocam-se neste papel secundário, como se fossem uma sombra de seus cônjuges ou famílias.

 

“O difícil não é ter que viver com as pessoas, o difícil é compreendê-las.” (Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago)

 

Ela finge também estar cega para poder ficar ao lado do Médico no centro de internação e, ao chegar no local, ela é a única pessoa que testemunha a degradação da humanidade, que foi largada sem condições nem infraestrutura, tampouco auxílio do Governo.

Além disso, a obra se utiliza de alguns estereótipos que permeiam a figura de uma esposa ou mulher, mas transformando-os em aspectos positivos. Por exemplo, a Esposa de Saramago sente-se responsável por cuidar das pessoas cegas e fragilizadas, ressaltando uma característica maternal e protetora que, comumente, é atribuída às mulheres, mães e esposas. Saramago dá um toque de mestre quando eleva tal característica a um nível maior e mais abrangente, sinalizando que a Esposa é a pessoa mais forte da humanidade e, por isso, não foi acometida pela cegueira. Além disso, a Esposa torna-se a líder do grupo, providenciando auxílio e apoio do Governo quando ninguém mais foi capaz disso.

 

“O certo e o errado são apenas modos diferentes de entender a nossa relação com os outros.” (A Esposa, em Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago).

 

A grata surpresa da obra é a evolução da personagem da Esposa ao longo da narrativa, demonstrando a evolução psicológica e emocional que ela tem frente às adversidades que a cegueira generalizada acarreta. Diante de sua impotência em diversas situações, a Esposa não se permite ser frágil ou se colocar em uma postura de vitimização. Em outras palavras: ela está empoderada.

 

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