A Isis Reis é uma mulher forte, de palavras firmes, uma pessoa que sabem bem o que quer e o que não quer. Símbolo da resistência, da luta. Uma mulher que representa muitas de nós. Fruto dos projetos socioculturais, como ela mesma diz.

Quando criança, dizia aos pais que queria ser atriz mas, no início, eles não levaram muito os planos da menina em consideração. Com o tempo, perceberam que ela se identificava com musicais e com o mercado audiovisual. “Eu gostava de assistir a um musical brasileiro, interpretado por uma atriz e bailarina, que era exibido em TV aberta e também ouvia Raul Seixas. Eram horas assistindo e ouvindo, porque o meu pai e a minha mãe gravavam para mim. Quando terminava eu mesma colocava de novo. Eu tinha 3 anos de idade e minha mãe costuma dizer que era o que me deixava quieta”.

Como aos 8 anos Isis continuava afirmando que seria atriz, sua mãe a levou para um projeto social que oferecia aulas de capoeira, percussão, teatro e dança contemporânea, mas não aceitaram sua inscrição porque o projeto englobava crianças e adolescentes dos 9 aos 18 anos. “Eu saí tristinha do local, me sentei na varanda com a mão no queixo quando uma mulher me perguntou por que eu estava triste. Expliquei a situação, ela me pegou pela mão e disse à secretária para fazer minha inscrição. A mulher era a coordenadora do projeto social”.

Como não havia vaga para o curso de teatro, acabou entrando no curso de capoeira onde ficou por 5 anos, onde era a única menina. Lá dentro, conseguiu entrar no curso de teatro e lá ficou até terminar. Depois, foi para outro projeto social em Juiz de Fora, destinado a adolescentes. Lá fazia tudo o que amava: aulas de teatro, dança, comunicação e expressão oral e musicalização mas, não era aquilo que esperava. “Não me sentia bem lá, os professores não eram dedicados, respondiam à violência dos alunos com mais violência. Foi aí que a minha ficha caiu. De onde eu estava e o que podia fazer.

Então, entrei para a militância estudantil e dentro deste projeto social conheci um professor de teatro maravilhoso, que me deixou à vontade para levar esta militância pra dentro do teatro. Comecei a questionar a maneira com que os professores nos tratavam, fazíamos assembleia e as coisas foram melhorando. Até que deste projeto surgiu uma oportunidade de bolsa em um centro cultural da cidade, mantido por recursos de uma artista. Lá tive acesso à diversidade.

Estava com pessoas que ganhavam muito mais do que eu achava que era possível ganhar, tive acesso à pessoas, comidas e consequentemente a lugares que sempre quis estar e não sabia como. No meio disto, decidi que queria ser atriz de cinema e, em uma conferência da juventude na cidade de Cataguases, conheci uma outra militante que trabalhava com audiovisual em um ponto de cultura da cidade. Por sorte, eles iam inaugurar uma sede em Juiz de Fora. Trabalhei no local, o trabalho era voluntário e eu fui me inserindo no audiovisual”.

Nessa época, Isis disse que as pessoas se espantavam como jovens como eles, de 15 e 16 anos, conseguiam fazer filmes. Era a única mulher, única negra, mas entendia o seu lugar de privilégio porque muitos jovens não continuaram porque precisavam trabalhar para pagar as contas e lá, as atividade não eram remuneradas.

O projeto acabou no mesmo ano em que Isis foi aprovada em primeiro lugar na Universidade Federal de Juiz de Fora, no curso de artes e design. “Escolhi este curso porque ele é na modalidade bacharelado interdisciplinar e dividido em primeiro e segundo ciclo. No primeiro, você cursa artes e design, no segundo, escolhe design, moda, artes visuais ou cinema e audiovisual. Além disto, o prédio chamado Instituto de Artes e Design (IAD) também abrigava o curso de música. Realmente era um ambiente interdisciplinar”.

 

 

Durante a primeira graduação, em 2010, conheci uma graduada em artes que queria implementar uma empresa júnior no Instituto de Artes e Design e junto a outros alunos criou a segunda empresa júnior da América Latina a trabalhar com economia criativa, a Aspecto Empreendimento Criativo. “Novamente um horizonte se abre, novas formas de produzir arte, de aprender a se gerir e gerir pessoas. Foi incrível!”

Como pela regulamentação da empresa júnior o máximo que se pode ficar nela são 2 anos, ela diz que se não fosse essa regra, provavelmente estaria lá até hoje. “Graduei aos 20 anos em Artes e Design, entrei imediatamente no curso de Cinema e Audiovisual, enquanto continuava com algumas bolsas de auxílio da Universidade e aproveitava o tempo para juntar dinheiro para fazer mestrado em artes cênicas na UniRio, porque sabia que não teria bolsa e que, na pós-graduação brasileira não é obrigatório o sistema de cotas e, quando existentes, como na UniRio, são ineficazes. Na UniRio as cotas para negros só são aplicadas quando o aluno ou aluna negra fica em primeiro excedente, aí a cota é aplicada e aquele aluno ou aluna fica em último lugar. Sempre abaixo né?”

Como ela não foi para o sistema de cotas, não ficou em primeiro ou segundo lugar para garantir a bolsa. Mas, os horários de aula eram diurnos e conseguir emprego em outro horário era, para ela, praticamente impossível. Assim, veio para São Paulo após completar as disciplinas do mestrado, enquanto escrevia sua dissertação para fazer um curso de Economia Criativa na SP Cine, que tem como objetivo inserir jovens no mercado de trabalho.

“As pessoas vinham me dar os parabéns por estar no mestrado, mas não abrem mão dos seus privilégios para, ao invés de indicar seu filho para trabalhar no filme, indicar uma profissional qualificada. Eu me cobro todos os dias, do por que fui estudar e não trabalhar como caixa no supermercado. Daí uma voz bem forte lá de dentro responde: porque você desejou vir para questionar o lugar que lhe foi imposto! Você quis. Você decidiu!”

Isis completa dizendo que foi assim que começou a proliferar os coletivos negros e coletivos audiovisuais negros. Em São Paulo, recebeu mentorias de profissionais de forma gratuita. “Foi aí que entenderam porque sou atriz, produtora, gerenciadora de redes sociais, esta profissional que trabalha em tantas áreas. Foi o caminho que me fez assim, e sou grata a ele, porque posso fazer por mim e com os meus.

“Em 2013, representei o Brasil na Bienal de Jovens Criadores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa(CPLP) com o projeto Patrimônios Móveis Em 2009, fiz um curso de gestão cultural pelo Ministério da Cultura e aprendi a escrever projetos culturais em 2011 mandei para a Lei Murilo Mendes de Incentivo à Cultura e eles não aprovaram alegando que o proponente tinha que ser maior de 18anos e eu tinha 18 anos. Em 2012 mandei e o foi o projeto de maior valor financeiro aprovado”.

No mercado de audiovisual, Isis acredita que existe uma glamourização nesse mercado e que isso atrapalha porque permite uma série de abusos em nome deste glamour. Ela ainda completa: “Isso permite também a entrada de pessoas que só querem o glamour, não o encontram, e neste tempo ocuparam o espaço de outra pessoa que queria trabalhar na área que escolheu ou estudou”.

Sobre o mercado cinematográfico, Isis diz que é importante que as empresas pensem que muitas pessoas não vão ao cinema porque, além da exclusão social, por conta dos altos preços, também não se sentem representadas.

 

“Se a maior parte da população é negra, você, realizador audiovisual, acha mesmo que queremos assistir a um filme vendo o único personagem negro ser empregado? Se os produtores acreditam mesmo que cinema é entretenimento, acham que a minha família vai sair de casa pra ver reproduzido no telão as nossas dores? Passamos por isto na realidade de cá. Não queremos ver isto nas telas”.

 

Ela ainda diz que o preconceito é algo que vive diariamente e que também trabalha para acabar com os seus próprios preconceitos e que a diferença é a atitude que cada um toma diante das situações. “Acredito que o maior preconceito é ser atriz e não estar nas telas. A publicidade usa atrizes negras de pele clara e cabelo cacheado ou pele mais escura, altas e magras. A televisão reproduz a mesma coisa. E nos filmes eu estou graças aos meus amigos. Graças a essa rede que quer mudanças. E é por isto que é necessário estarmos em todos os lugares, pois observamos estas deficiências. E não me refiro a ser estagiário, assistente, porque geralmente nessas funções não temos o poder de mudança.

Para sair desta situação o que venho fazendo é tentando estar atrás das telas promovendo mudanças e, quando o projeto encaixa no meu perfil de atriz – porque entendo que todo personagem tem perfil, mas observo que pessoas brancas não precisam ser parecidas nos comerciais, já as pretas tem que ser iguaizinhas – eu vou pra frente das câmeras passando por todos os testes iguais às outras candidatas à personagem”.

 

 

Os planos da Isis são grandes e são poderosos. Primeiramente, ela quer terminar o mestrado e ser referência para outras meninas. “Durante minha pesquisa, ouvi muito que eu era nova para estar ali ou que não havia referências sobre negro no cinema brasileiro, ninguém havia escrito. Se não existia ninguém, agora tem: eu.

Também quero ter dinheiro para poder investir nas produções audiovisuais que me afetam de alguma forma e nos projetos dos meus amigos. Meu plano imediato é conseguir trabalhar como atriz ou apresentadora em algum canal de televisão ou internet para que as minhas palavras não fiquem restritas apenas às entrevistas ou nos meus cadernos de anotações”.

Para as mulheres que continuam na luta para ocupar espaços, sendo resistência, ela tem alguns conselhos que considera importantes para seguir: “Junte-se a outras mulheres. Principalmente as que já estão no espaço que você quer ocupar. Se acha impossível, deseje com muita força, visualize você lá e aja”.

Que história e que inspiração. Por mais Isis que lutam a cada dia e vão quebrando barreiras para ocupar seus espaços. Que possamos juntas transformar a realidade de muitas mulheres que ainda tentam se encontrar na carreira ou tentam fugir do preconceito e de um sistema que ainda desvaloriza as mulheres.

Tem uma história inspiradora também? Manda pra gente no elatemumplano@planofeminino.com.br e vamos transformar muitas outras mulheres em protagonistas de suas histórias.

 

 

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