Marielle era uma mulher de luta. Uma batalhadora como muitas. Nasceu em 1979, e cresceu no complexo da Maré, diante de uma dura realidade das favelas do Rio, ocupadas por traficantes, criminosos, mas também por muita gente de bem, muita gente que queria transformar sua vida e o mundo, como ela.

Mulher negra, lésbica e de periferia, claro que a vida pra ela não foi fácil, afinal, estava totalmente dentro do contexto de pessoas mais excluídas da sociedade, mas Marielle era de uma força incrível, não se deixaria abater. Foi mãe aos 19 anos, e no mesmo ano em que sua filha Luyara nasceu, se matriculou no pré-vestibular comunitário, que era oferecido dentro da comunidade da Maré.

 

Marielle com a filha Luyara.

 

Marielle queria transformar, queria mudar sua vida e de muitas outras pessoas que, como ela, sabia que eram minoria e que não eram vistas pelos nossos governantes.

Em 2000, uma de suas amigas morreu atingida por bala perdida em uma troca de tiros entre policiais e traficantes na Maré. Ali começou a sua luta e ela se tornou militante dos direitos humanos, desejando não ver mais nenhum inocente morrer dessa forma. 

 

 

Marielle conseguiu uma bolsa de estudos integral na PUC Rio (Pontifícia Universidade Católica) e se formou em Ciências Sociais. Depois, fez um mestrado em Administração Pública, na Universidade Federal Fluminense. Neste caso, defendeu a dissertação intitulada “UPP – A redução da favela a três letras: uma análise da política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro”. Ela não parava, não queria. Ela lutava e ia aos poucos conquistando os espaços que eram dela, por direito.

Em 2016, foi eleita vereadora pelo PSOL, com 46 mil votos, foi a quinta candidata mais votada na cidade e segunda mulher mais votada ao cargo de vereadora em todo o país. Foi responsável por apresentar 16 projetos de lei, entre eles: assédio não é passageiro, contra o assédio sofrido por mulheres no transporte público; Lei das Casas de Parto, para criação de mais unidades no município pra oferecerem um bom atendimento no parto para gestantes; Lei do Espaço Coruja, pra que creches tenham um horário estendido pra atender os pais que precisam trabalhar, não têm com quem deixar seus filhos e necessitam de um espaço com um horário diferenciado para as crianças; Projeto de Lei 0016/2017 – Pra Fazer Valer o Aborto Legal no Rio, pra que as mulheres tenham um atendimento humanizado e sem violência para as mulheres que estão em situação de aborto legal.

 

 

Foram vários projetos, várias lutas que ela travava em favor da minoria, em favor das mulheres, em favor das pessoas mais pobres.

Na Câmara, fez parte da Comissão de Defesa da Mulher e integrou uma comissão composta por quatro pessoas, cujo objetivo era monitorar a intervenção federal no Rio de Janeiro. Foi aí que sua história caminhou para um final que ninguém gostaria de ter acompanhado.

No dia 10 de março, Marielle denunciou abusos do batalhão que mais mata no Rio, o 41 BPM de Acari, e afirmou que os policiais estavam aterrorizando e violentando moradores de Acari.

Dia 14 de março, última quarta-feira. Marielle estava em um evento que organizou. Uma roda de conversa chamada “Jovens Negras Movendo as Estruturas”, sobre projetos artísticos tocados por mulheres negras na Casa das Pretas, espaço de convivência localizado na Lapa, Centro do Rio de Janeiro. Pouco depois de sair, por volta das 21h30, Marielle foi morta covardemente com 4 tiros na cabeça. Junto com ela estava seu motorista, um pai de família, que também morreu e sua assessora, que parece ter escapado por um milagre.

Esta atitude absurdamente injusta, ingrata, cruel, foi uma forma de calar sua voz, uma forma de acabar com sua luta. Uma forma de silenciar uma mulher preta, da favela. Uma mulher que, como poucas mulheres, conquistou seu espaço na política. Uma mulher que lutava pelos seus. Uma mulher que não baixava a cabeça diante da corrupção e da violência. E, por tudo isso, ela foi silenciada. 

Estamos todas em um processo de luto. Estamos todas chorando por Marielle, sofrendo por tamanha violência. Algumas mulheres importantes nesse cenário, mulheres negras e ativistas, compartilharam com a gente a dor de perder uma representante tão importante para o nosso país:

“Marielle, Elza Soares, Dandara dos Palmares são de uma favela que o Brasil não quer saber e envenena. O esgoto a céu aberto, a ausência do estado, as armas de fogo, a fome não nasceram na favela. Nos envenenaram. Marielle era uma socióloga, mãe, mulher, defensora dos direitos humanos, ela tentava curar nossa sociedade. Ela fazia política para o povo brasileiro, na tentativa de fazer a frase “ Brasil, um país de todos” uma realidade. Então, nesse sentido, Marielle era pra todos, assim como o Brasil deveria ser. O fato de escolherem matar uma mulher negra, lésbica, favelada, para nós, feminista negras, não há  espanto. Somos humanas e sentimos dor, estamos sangrando, eu mesma fiquei a manhã inteira paralisada, chorando… mas sei exatamente do que se trata, sabemos que morremos todos os dias, a cada 23 minutos. Era por isso que Marielle lutava.” – Kenia Dias, Defensora dos Direitos das Mulheres Negras pela ONU Mulheres, atriz, escritora e roteirista.

 

 

“Marielle nunca deixou de ser uma cria da Maré e quando você fala isso, você não fala de um só território, mas de inúmeros territórios que têm a mesma vivência. Foi um golpe muito forte em nós, mulheres negras, porque parece que a morte dela tem muito a ver com o que ela falava, mas que não tiveram coragem de fazer o mesmo com outras pessoas que falam sobre o mesmo assunto. Pra mim, ficou muito claro que a vida dela não importava. Claro que importa pra mim, pra muitas mulheres, pra uma série de pessoas que entendem o que de fato significa direitos humanos. Mas, pra muita gente, não importa porque ela é simbolicamente o que está na base da estrutura do nosso país e que a gente não quer ver essa base se movimentando. Angela Davis diz que quando as mulheres negras se movimentam, o mundo se movimenta com elas, justamente porque a gente tá na base. E quando Marielle estava se movimentando, isso tinha um peso tão grande pras pessoas, que chegou no nível que você tem um assassinato brutal, violento, de uma mulher que estava contribuindo para, de fato, sermos um país mais justo”, diz Stephanie Ribeiro, ativista e feminista negra.

 

Marielle foi silenciada, com covardia, injustamente, mas nós… nós não vamos nos calar. Não podemos permitir que isso continue acontecendo. Não podemos permitir que mais mulheres morram. Que mais pessoas negras morram. Que mais pessoas vindas da periferia morram. Que mais pessoas inocentes morram. Não podemos permitir que assassinos continuem impunes. Que corruptos continuem esfregando na nossa cara que podem fazer o que querem.

 

 

Não, eles não podem! Nós não vamos permitir que mais Marielles morram. Não vamos ver mais famílias chorarem por perder uma pessoa que apenas fazia o que era certo, que lutava todos os dias contra a violência e o preconceito.

Vamos ecoar a voz de Marielle pra sempre! #Mariellepresente #nenhumaamenos

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *