Mylene Ramos é uma mulher de sorriso fácil, cheia de simpatia e com grandes olhos pretos, que param pra prestar atenção em tudo o que você fala. Uma mulher que com uma simples conversa, te acolhe. Negra, vegetariana, juíza titular da 20ª. Vara do Trabalho da Zona Sul de São Paulo e, até outubro de 2017, foi Diretora diretora do Fórum Trabalhista, também na Zona Sul. Ela foi eleita para ocupar a cadeira número 3 da Academia Mackenzista de Letras cuja Patronesse é Anita Malfati e tomou posse em março deste ano. Além disso, ela também recebeu uma indicação para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Poderosa!

Mylene acredita na mudança social positiva e procura agir de forma a contribuir para que tenhamos uma sociedade melhor. Aproveitamos pra bater um papo com ela falando sobre sua vida, início de carreira, preconceito, planos e sua visão do mercado de trabalho e sobre as mudanças na Reforma Trabalhista. Olha, cá entre nós, ela nos deu uma lição!

Nascida e criada na periferia da Zona Sul de São Paulo, seus pais ainda adolescentes imigraram para São Paulo em busca de uma vida melhor e lá se encontraram. A mãe mineira de Belo Horizonte, trabalhava como empregada doméstica, e ele do Interior da Bahia, entrou na construção civil. Sempre interessada em aprender, aos 5 anos Mylene já lia e escrevia. Sua família tinha alguns livros em casa, a maioria doados por uma patroa de sua mãe, e juntamente com a Bíblia se tornaram suas leituras diárias.

Como se sentia sozinha, os livros se tornaram sua companhia constante. Na adolescência passou a escrever com frequência, redações e mais redações sobre ideias e planos que gostaria de realizar: “Não sabia o que queria ao certo, não tinha planos definidos mas não deixava de sonhar com uma vida diferente.”

Depois de concluir o Ensino Médio em escolas públicas, ela resolveu encarar o vestibular para o curso de Direito e foi aprovada no curso da Universidade Mackenzie, com uma bolsa parcial. Para pagar o restante e arcar com as despesas do curso, Mylene fazia estágio, às vezes em dois locais diferentes de manhã e à tarde, e vendia bolos feitos com a ajuda de seu pai.

No final da faculdade, Mylene passou por momentos desafiadores, ela estava desempregada e ainda teve que lidar com a perda de seu pai na semana em que seria sua formatura. Com foco em fazer a diferença na vida das pessoas, Mylene não desistiu e a cada dia renovava suas forças em busca da realização de seus planos. “Mesmo após empregar-me na área, passei a prestar concursos públicos no setor jurídico os quais me levaram a me interessar pela Magistratura. Estudei com muito afinco, mesmo trabalhando em período integral. Seis anos após me formar em Direito me tornei Juíza do Trabalho.”

Na sua área de atuação como advogada e juíza, Mylene mostra que a diferença de gênero ainda é bastante grande, mesmo que nos últimos anos, o número de mulheres que se formaram em Direito seja maior que o número de homens:

“O mercado de trabalho não vem absorvendo esta mão de obra na mesma proporção e nem mesmo qualitativamente. Além das dificuldades para conseguir uma colocação, a ascensão profissional das mulheres Advogadas ainda se dá de forma desigual. Elas são minoria dentre os sócios de médios e grandes escritórios de advocacia. Isso precisa mudar!

“Quando se fala em Magistratura, as mulheres também são minoria em números gerais. O último censo do CNJ, em 2014, apontou que 64% dos Magistrados são homens. Apenas 14,1% são negros, não foi feito recorte de gênero. Assim, não sabemos quantas são as Juízas negras no País, mas a contar pelos escritórios de advocacia onde são minoria, imagina-se que o mesmo fenômeno ocorra nos tribunais”, completa a juíza.

 

 

Falamos com a Mylene também sobre o preconceito. Tanto o preconceito por ser mulher, que a gente sabe que acontece muito nas mais diversas áreas, como também o preconceito racial. Apesar de termos mais da metade da população brasileira composta por negros, o preconceito ainda é gigantesco, infelizmente, e ela contou pra gente como lida com essas situações.

Sendo mulher e negra numa sociedade racista como é a brasileira é muito difícil não passar por situações de preconceito. Apesar da indignação, procuro sempre combater e neutralizar manifestações de preconceito com minha seriedade e ética. Acho importante também não deixar de denunciar o racismo. Procurar sempre os meios legais e as autoridades competentes.”

Como juíza trabalhista, não poderíamos deixar de falar sobre o atual cenário do mercado de trabalho e sobre as mudanças relacionadas à diversidade e Mylene nos apresentou um cenário positivo em relação às transformações, que estão acontecendo. Ela diz que as empresas estão olhando para a diversidade e buscando mudar a cultura corporativa: “A tendência é a diversificação da força de trabalho, o que sem dúvida ampliará a oferta de vagas para grupos historicamente discriminados.”

Para que esta mudança aconteça de maneira eficaz, Mylene apresenta algumas ações que as empresas podem tomar para realmente mudar essa cultura. “Isto significa não apenas tomar a decisão de contratar, mas também de incluir esta diversidade em todos os espaços da corporação, e preparar os colaboradores para interagirem num ambiente diverso, com respeito às diferenças.”

“Diversidade é mais do que promover contratações apenas para serviços terceirizados. É necessário também diversificar os quadros gerenciais, de Diretoria e Conselhos de Administração, por exemplo”, finaliza Mylene.

 

Reforma Trabalhista. Esta é outra questão delicada e que preocupa grande parte dos brasileiros por conta das mudanças na CLT. A juíza contou pra gente como a nova lei pode afetar os trabalhadores: “A lei 13467/2017, que introduziu a reforma trabalhista, entrou em vigor em novembro de 2017, ou seja, ainda é muito recente. No entanto, já observamos um aumento no trabalho informal e redução de salários. A médio e longo prazo o resultado pode ser um maior empobrecimento dos assalariados e piora na distribuição de renda e no consumo.”

Nossa sociedade ainda é muito preconceituosa e, infelizmente, isso se reflete no número de pessoas de baixa renda e negros que possuem acesso a uma boa educação. Sabemos que não é fácil para muitos chegar à faculdade e conquistar boas oportunidades de trabalho por conta desse recorte de gênero, raça e condição social que ainda vivemos. Perguntamos à juíza, o que podemos fazer pra transformar essa realidade.

“É necessário que todos se conscientizem da existência e dos efeitos do racismo individual e estrutural, e abracem como causa uma luta diária contra estes males. Afinal, racismo, discriminação e desigualdade não são problemas apenas dos que sofrem com estas condições, mas de toda a sociedade.”

Mylene ainda tem muitos planos que deseja tirar do papel. Diz que hoje se sente muito feliz e realizada, mas que é uma obra em andamento. Entre os planos, ela quer escrever mais e lançar uma biografia ano que vem. Além disso, quer contribuir cada vez mais para o empoderamento de mulheres e meninas, ajudando projetos sociais, como o Plano de Menina, do qual é madrinha desde sua criação, em 2016.

Para as mulheres ocuparem cada vez mais espaços e fazer acontecer, Mylene deixa uma lição inspiradora: “Tenham noção do seu próprio valor, apostem e invistam em seus talentos e ousem sonhar cada vez mais alto. Vocês chegarão onde sonham desde que não desistam de seus sonhos. Usem os obstáculos como escadas para atingirem níveis cada vez mais altos.”

Conversar com a Mylene é receber altas doses de aprendizado. Ela é uma mulher incrível, que está fazendo acontecer em sua área de atuação e trabalha para que consigamos construir uma sociedade mais justa e igualitária. Se você é ou conhece uma mulher poderosa, cheia de planos, conta pra gente sua história mandando um e-mail para o elatemumplano@planofeminino.com.br. Queremos ver muitas mulheres compartilhando seus planos com a gente por aqui!

 

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