Fazia muito tempo que a questão dos direitos femininos não ganhava tanto destaque. O estopim parece ter sido a onda de assédios de pedófilos pelo Twitter com uma participante de 12 anos do MasterChef Junior. A indignação geral acabou captada pelo coletivo Think Olga, que criou a hashtag #PrimeiroAssedio.

O que se seguiu foi uma avalanche de relatos de mulheres – 82 mil em 4 dias, contando tristes histórias de assédio infantil, numa média de 9,7 anos de idade para o primeiro assédio sexual. O dado estarrecedor não impediu que alguns, como o cantor Roger do Ultraje a Rigor, zombassem das histórias.

Eis que acontece o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e com ele uma questão sobre o feminismo, com trecho de texto de Simone de Beauvoir. A internet entrou em polvorosa, mas ainda teria mais: o tema da redação, no dia seguinte, foi “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira.” Os ânimos se acirraram, incluindo o de políticos como Jair Bolsonaro, que acusaram o Enem de “arma de doutrinação”.

Mas a coisa entornou de vez com a aprovação do projeto de Lei PL 5069 na Câmara dos Deputados. Essa lei dificulta o atendimento médico de vítimas de estupro, que precisarão fazer Boletim de Ocorrência e exame de corpo de delito para só então serem encaminhadas a um hospital. Mais que isso, a mesma lei considera crime o médico que orientar a vítima de estupro sobre o aborto legal (permitido em caso de estupro, risco de vida para a mãe e feto anencéfalo), ou que prescrever a pílula do dia seguinte.

A PL 5069 ainda terá que passar por votação no cenário, mas sua aprovação na Câmara sob a chancela do deputado presidente da Casa, Eduardo Cunha, foi a gota d’água para que os coletivos feministas tomassem as ruas.

E como vida real e virtual estão cada vez mais ligadas, no mesmo período coletivos e páginas feministas foram atacados. A página da “Jout Jout Prazer” – que ganhou destaque quando o Google abraçou a causa do seu vídeo “Vamos fazer um Escândalo” , “Feminismo sem Demagogia” e outras no Facebook foram atacadas depois que a página “Orgulho de ser Hétero” foi denunciada por posts discriminatórios.

Um dos mais antigos blogs feministas, “Escreva Lola Escreva”, da professora Lola Aronovich, teve que enfrentar ataques e a criação de um blog difamatório com nome similar e conteúdo criminoso. Lola recebeu ameaças de morte, estupro, divulgação de seu endereço e boicote na universidade onde leciona.

Abrindo espaço para a voz feminina

Diante desse cenário, uma provocação da cientista social Manoela Miklos a alguns amigos iniciou um movimento para que as mulheres contem como vivem essas situações que geraram tanta repercussão – ao invés de ter apenas homens contando o que eles estão assistindo.

Assim surgiu o movimento e a hashtag #AgoraÉQueSãoElas, que apareceu em vários veículos de comunicação on-line do dia 2 ao dia 8 de novembro. A ideia foi que colunistas, Youtubers e apresentadores, abrissem espaço durante o período para que as mulheres expusessem seu ponto de vista.

Entre os colunistas que participam da iniciativa, estão Gregorio Duvivier, Marcelo Freixo, Leo Sakamoto, Bruno Torturra, Ronaldo Lemos, Marcelo Paiva, João Paulo Cuenca, José Eduardo Agualusa, Marcus Faustini, Fred Coelho, Antonio Prata, Renan Quinalha, Jorge Bastos Moreno, Alexandre Porto Vidal, Douglas Belchior e muitos outros.

Mulheres como a cantora e ativista Karina Burh, a própria Manoela Miklos, a doutora em ciência sociais e professora da Universidade Federal da Bahia Maíra Kubik Mano, Camila Kfouri, a jornalista Vanessa Rodrigues, Juliana de Faria e Luíse Bello, do Think Olga, e muitas outras já publicaram seus artigos como convidadas.  

Para participar, basta que o homem com um espaço na mídia escolha uma (ou mais) mulheres e a convide para participar durante a semana, fazendo uma introdução para apresentar a convidada, explicando o gesto e divulgando a hashtag.

Manoela Miklos frisa que a iniciativa é sobre “mulheres ocupando espaços por toda parte. Não tem a ver com homens “cedendo” lugar. O que é dado pode ser tomado de volta. O que é conquistado não”.

A iniciativa não apenas celebra a oportunidade de dar voz e ouvir os anseios das mulheres, mas mostra também quão importante é a diversidade para a construção de opiniões e de uma sociedade mais completa. É um incentivo para o protagonismo feminino, que agora também precisa conquistar um espaço próprio, na mídia e em todos os aspectos que façam essa voz ser ouvida.

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